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Holocausto Brasileiro: um lado sombrio da história brasileira (Hospital Colônia de Barbacena)

Holocausto Brasileiro um lado sombrio da história brasileira (Hospital Colônia de Barbacena)

 É ponto pacífico entre qualquer pessoa razoável: manicômios não devem existir.

Listaremos as características de um manicômio, a partir da descrição feita pelo livro Holocausto Brasileiro, que conta a história do hospital Colônia, situado em Barbacena/MG:

A imagem de manicômio pintada no livro é como na foto de abertura: feita a distância, sem nitidez em algumas áreas, preto no branco (idéias polarizadas, sem as nuances de uma realidade complexa e desafiadora).

Algumas inconsistências mais centrais do livro:

Não custa ressaltar: manicômios não devem existir! Resgatar e preservar a memória desses lugares é prevenir que esses erros se repitam. Porém a memória pode ser seletiva.. como esclarece a ciência.

Existem idéias equivocadas expostas mais abertamente no transcorrer do livro:

O livro Holocausto Brasileiro expõem chagas terríveis do Colônia. Isso é inegável. O senso-crítico, a curiosidade e a honestidade intelectual de cada leitor fará a decantação das informações, para que de suas páginas emerja o que há de mais próximo à verdade.

O livro é uma das vozes do movimento que se denomina Luta Antimanicomial. Essa luta se insere numa outra maior chamada Reforma Psiquiátrica (amparada na lei 10.216 de 2001, mas que agora conta com um avanço e contra-peso salutar da portaria 3.588 de 2017). Um problema fundamental são as generalizações e lógica maliciosas, do tipo: todo manicômio como o Colônia deve ser fechado; todo hospital psiquiátrico é manicomial; logo, todo hospital psiquiátrico deve ser fechado. Existe sensibilização (mesmo que sensacionalista) da população para o tema, mas não há um desejo genuíno de esclarecimento.

Passarei a palavra ao poeta Ferreira Gullar, em artigo publicado na Folha de São Paulo em 2009, intitulado – “Uma lei Errada”. Ferreira Gullar é poeta, homem de sensibilidade refinada, pensador e intelectual independente e lúcido. Foi crítico dos descaminhos, exageros e usos políticos da luta manicomial e reforma psiquiátrica. Ele fala com conhecimento de causa, sentiu em sua própria carne, a luta para ajudar dois de seus filhos esquizofrênicos.

Ferreira Gullar:

“A campanha contra a internação de doentes mentais foi inspirada por um médico italiano de Bolonha. Lá resultou num desastre e, mesmo assim, insistiu-se em repeti-la aqui e o resultado foi exatamente o mesmo.
Isso começou por causa do uso intensivo de drogas a partir dos anos 70. Veio no bojo de uma rebelião contra a ordem social, que era definida como sinônimo de cerceamento da liberdade individual, repressão “burguesa” para defender os valores do capitalismo.

A classe média, em geral, sempre aberta a ideias “avançadas” ou “libertárias”, quase nunca se detém para examinar as questões, pesar os argumentos, confrontá-los com a realidade. Não, adere sem refletir.
Havia, naquela época, um deputado petista que aderiu à proposta, passou a defendê-la e apresentou um projeto de lei no Congresso. Certa vez, declarou a um jornal que “as famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles”. E eu, que lidava com o problema de dois filhos nesse estado, disse a mim mesmo: “Esse sujeito é um cretino. Não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Não imagina o quanto dói a um pai ter que internar um filho, para salvá-lo e salvar a família. Esse idiota tem a audácia de fingir que ama mais a meus filhos do que eu”.

Esse tipo de campanha é uma forma de demagogia, como outra qualquer: funda-se em dados falsos ou falsificados e muitas vezes no desconhecimento do problema que dizem tentar resolver. No caso das internações, lançavam mão da palavra “manicômio”, já então fora de uso e que por si só carrega conotações negativas, numa época em que aquele tipo hospital não existia mais. Digo isso porque estive em muitos hospitais psiquiátricos, públicos e particulares, mas em nenhum deles havia cárceres ou “solitárias” para segregar o “doente furioso”. Mas, para o êxito da campanha, era necessário levar a opinião pública a crer que a internação equivalia a jogar o doente num inferno. (…)

A maioria das clínicas psiquiátricas particulares de hoje tem salas de jogos, de cinema, teatro, piscina e campo de esportes. Já os hospitais públicos, até bem pouco, se não dispunham do mesmo conforto, também ofereciam ao internado divertimento e lazer, além de ateliês para pintar, desenhar ou ocupar-se com trabalhos manuais.

Com os remédios à base de amplictil, como Haldol, o paciente não necessita de internações prolongadas. Em geral, a internação se torna necessária porque, em casa, por diversos motivos, o doente às vezes se nega a medicar-se, entra em surto e se torna uma ameaça ou um tormento para a família. Levado para a clínica e medicado, vai aos poucos recuperando o equilíbrio até estar em condições que lhe permitem voltar para o convívio familiar. No caso das famílias mais pobres, isso não é tão simples, já que saem todos para trabalhar e o doente fica sozinho em casa. Em alguns casos, deixa de tomar o remédio e volta ao estado delirante. Não há alternativa senão interná-lo.

Pois bem, aquela campanha, que visava salvar os doentes de “repressão burguesa”, resultou numa lei que praticamente acabou com os hospitais psiquiátricos, mantidos pelo governo. Em seu lugar, instituiu-se o tratamento ambulatorial e CAPS, que só resulta para os casos menos graves, enquanto os mais graves, que necessitam de internação, não têm quem os atenda. As famílias de posses continuam a por seus doentes em clínicas particulares, enquanto as pobres não têm onde interná-los. Os doentes terminam nas ruas como mendigos, dormindo sob viadutos.

É hora de revogar essa lei idiota que provocou tamanho desastre.”

O nosso maior desejo é que o amor à verdade prevaleça. O debate é possível. Tensões inevitavelmente ocorrerão mas são o preço da democracia. E é no embate de idéias que avançamos.

Gustavo Henrique Takarada – médico psiquiatra.(SITE PSIQUIATRIZANDO)

Caso tenha interesse maior sobre a história, adquira o livro no link abaixo:

Leia nossa indicação e post “É possível chegar a perfeição do ser humano?”

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