(Pode ser lido ouvindo “Sol Loiro” do Armandinho)
Eu tinha um tio que trabalhava de vigia em uma empresa de lacticínios. Entrava as 10 da noite e só saía às 6 do outro dia.
Me recordo de ir dormir perto da meia noite e pensando: “Como o tio consegue?”
Foram vários os domingos em que ele dormiu a manhã inteira e nós levou pra tomar sorvete depois do almoço, com uma disposição e um sorriso só dele.
Eu saboreava meu sorvete de duas bolas, flocos e chocolate.
Pensava em como ele conseguia trabalhar a noite inteira e estar ali por inteiro com a gente. Ele perdeu o melhor sono. Ele não teve coberta quentinha as três da matina.
Como pode?
Noite dessas acordei com minha namorada andando pela casa. Perguntei se ela estava bem.
“Nada demais, só estou um pouco enjoada. Deve passar pela manhã.”
Fiz companhia pra ela, viramos a noite jogando xadrez e falando da vida. Aquele papo que não diz nada, mas diz tudo. Que a gente só tem com uma ou duas pessoas na vida. Com aquelas que realmente importam.
Foi a primeira vez que bebemos tônica sem gin. Foi nossa melhor tônica. Acho que isso é cuidar de alguém.
Me sentia como o vigia, o guardião dela. Companheiro! Lembrei do meu tio.
Por fim ela adormeceu no sofá, fiquei olhando pra ela enquanto enterrava a mão em seus cabelos.
Pela manhã ela acordou, ainda cansada. Saiu do banheiro com algo na mão, parecia um termômetro. “Tenho algo pra te contar” Disse ela.
Tudo que foi dito depois foi abafado pelas batidas aceleradas do meu coração.
Hoje lembro disso como uma lembrança boa.
Sentado no mesmo sofá, a pequena Sol não dormiu bem essa noite, dor de garganta. Voltei ao meu posto de vigia.
Amor é quando o posto de vigia, guardião não é imposição, é desejo sincero. Quando o cuidado gruda um sorriso no rosto. Lembranças que ficam…
Inclusive nossa filha se chama Sol, pois apesar de assustado que estava naquele dia, me lembro do sol que entrava por entre as cortinas da sacada.
E desse dia em diante o olhar da minha pequena tem sido meu sol.