Sociedade da autoexploração e cultura do imediatismo

Sociedade da autoexploração e cultura do imediatismo

O filósofo sul-coreano Byung Chul Han afirma que a sociedade contemporânea é definida em termos de autoexploração, isto é, de práticas mediante as quais os indivíduos, mesmo sem coerção externa, submetem-se aos rigores de tarefas árduas, de inúmeros objetivos e afazeres, todavia acabam sendo tomados pela depressão, pelo tédio e pela angústia existencial. Para o autor supracitado, a afirmação de si, que se manifesta no demasiado exercício de atividades e na busca por sucesso e realização pessoal, apenas demonstra que a ânsia por novidades conduz inexoravelmente ao desânimo. Até mesmo a saúde tornou-se um meio para consolidação da produtividade no cotidiano. Nas palavras do próprio filósofo: “estamos por demais mortos para viver, e por demais vivos para morrer”. 

Numa primeira análise, é importante frisar que o anseio exagerado por novidades está na essência da pós-modernidade, pois,  numa época de mudanças absurdas e repentinas, a tradição, bem como os valores clássicos de persistência, coragem, fé e constância não mais satisfazem os anseios individuais. Na sociedade da autoexploração, a afirmação de si, isto é, a busca constante pelo sucesso, faz com que os sujeitos se entreguem a inúmeras atividades, contudo nenhuma delas é feita com a devida atenção. Ademais, a renovação diária das informações estabelece, de forma ordinária,  novos métodos para alcançar metas e fins individuais. Sendo assim, as pessoas acabam desprezando o trabalho contínuo e moderado para abraçar novas metodologias, advindas geralmente de promessas de sucesso fácil e sem renúncias. Eis o paradoxo da contemporaneidade: a predominância do ideal de “produtividade” convive com o desejo de sucesso sem esforço virtuoso. Talvez as pessoas estejam mergulhadas no cansaço do cotidiano que as promessas de ganho rápido se tonaram tentadoras.

De qualquer forma, o individualismo se tornou a divindade da modernidade. Diante disso, o pensador polonês Zygmunt Bauman afirma que a contemporaneidade é governada pela “modernidade líquida” , em que nem mesmo os relacionamentos pessoais são sólidos e perenes, visto que são governados pela instantaneidade, pela utilidade e pela lógica individualista de busca pela satisfação pessoal, ou seja, pelo prazer imediato, pelo ganho sem esforço. Nesse sentido, a ânsia por novidades apenas reitera o desejo pessoal por novos prazeres, novas perspectivas de fuga da realidade tediosa, bem como oportunidades de sucesso individual. Sendo assim, há uma relação de afinidade entre a sociedade da autoexploração, a modernidade líquida e o imediatismo, isto é, o gosto exagerado por tudo aquilo que é rápido, instantâneo.

Desse modo, as pessoas buscam somente o que é agradável, não lutam pelo certo, nem mesmo se sacrificam em prol de uma ideia, princípio ou orientação política. Os sujeitos ignoram a esfera pública e a busca pelo bem comum para dedicação completa e exclusiva aos assuntos da realidade pessoal. Até mesmo quem diz militar por uma causa social apenas faz uma crítica pontual nas redes sociais, mas não pratica um ato de caridade concreto. Destarte, a pós-modernidade apresenta como traço fundamental a chamada “crise das utopias”, ou seja,  a marginalização da religião e do compromisso com ideias a longo prazo.  Ademais, a instantaneidade faz com que as pessoas se submetam ao ideal de produtividade, não por motivos legítimos, mas porque, no íntimo de cada indivíduo, há a ideia de que realização pessoal é sinônimo de sucesso financeiro, de satisfação dos prazeres imediatos, da busca pelo hedonismo e pelo lucro.  Entretanto as mentalidade supracitadas (individualismo, imediatismo e o gosto por novidades)  apenas levam ao tédio e, no fim das contas, ao esgotamento. 

Diante dos fatos supracitados, é premente o resgate do ideal segundo o qual a felicidade não é sinônimo de prazer, tampouco de realização financeira. Nesse sentido, é preciso purificar a mente das estratégias de dominação da sociedade da autoexploração e compreender que a alegria autêntica e verdadeira está nas pequenas coisas, a saber: nos laços de amizade, nos momentos de alegria com a família, nos pequenos afazeres cotidianos e num simples abraço genuíno. Afinal, amizade, arte, caridade , justiça e virtude são, no final das contas, o sentido derradeiro da existência humana. No anime Violet Evergarden, uma frase citada explicita bem o pensamento em questão:  “O verdadeiro significado da vida está somente nos detalhes. Cabe a você saber apreciá-los”. 

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