SEXTA-FEIRA SANTA

SEXTA-FEIRA SANTA

A reflexão não é sobre liturgias, ressurreição no domingo, não comer carne (?), forma dos fatos. A reflexão é sobre a persistência e a entrega de um homem com propósitos voltados a outrem. Morrer para que os outros vivessem melhor, é o que define Jesus, isto é, sacrifício e entrega. A salvação não é dar caminho à alma para que encontre um paraíso imaginário; metafísico, mas sim, a salvação pelo conhecimento, fazendo espírito (compreensão, inteligência…) nas pessoas. A salvação é a mudança do estado mental de submissão à opinião para o estado mental de busca interior. Quase um algo platônico, mas muito além. Jesus se pôs em meio às pessoas e viveu com elas; ensinou por metáforas, por saber que as pessoas ainda viviam na “caverna”, guiadas por opiniões e não pela verdade interior, aquela buscada no sentir, mas guiada pela razão. Jesus foi menosprezado, humilhado e condenado à morte por ter sido alguém que se pôs à disposição das pessoas, ecoando a sua conduta, o seu ser e o seu Ser por milênios.

Não é o messias judeu, pois este libertaria este povo do julgo romano e daria “a terra prometida”. Jesus demonstrou que a liberdade está na mente; no pensar, pois é dele que tiramos base para agirmos e conquistarmos as nossas próprias terras prometidas, metaforicamente ou não.

Salvador da escuridão intelectual seria uma simplória, mas eficaz definição. Tirou e tira da escravidão àqueles que buscam os seus ensinamentos. Sim, de fato, hoje é conhecido, talvez, por menos de cinco por cento da população mundial, pois os que dizem conhecê-lo, não se aproximam, sequer, do que ele propôs.

Jesus foi o rompimento com um status de desordem, buscando criar uma ordem pelo espírito humano e, não pela submissão a Helohim, Javé, Deus. Separou o divino dos templos e dos cultos. Aplicou a sua doutrina na ação humana direcionada ao amor ágape. Ensinou a ser santo e o que implicaria isto. Santo é quem segue o caminho oposto ao incorreto e, não alguém beneficiado por poderes divinos. O status sociopolítico antes de Jesus definia como santo quem obedecia aos sacerdotes e as escrituras, independente do que geravam às outras pessoas. Jesus ensinou que ser santo era ser diferente do que afirmavam como santo, sendo razão e amor, ao invés de subimissão. Jesus foi o primeiro dos hereges. Herege é aquele que contradiz a ordem divina, que é sociopolítica e jurídica. Herege é aquele que pensa e não se submete. Assim, se torna movido pela razão e não mais pela opinião. Ser herege é fundamental ao ser humano e à humanidade.

Jesus não é a representação de quatro evangelhos bíblicos, tampouco paulinos. Jesus é o homem falado em mais de oitocentos evangelhos, dentre fragmentos e obras completas. Jesus não é parte de uma trindade criada por Roma e nem um general de batalha física. Provou isso quando não libertou Jerusalém do julgo romano e, por isso, Simão Bar Kokhiba (“Barcorroba”) recebeu, por muitos, o título de Rei dos Judeus. Título pouco conhecido pela retaliação de Roma, quando destruiu o Templo e a insurreição de Bar Kokhiba, apagando seu nome da História e matando quase a totalidade de seus seguidores, aproximadamente no ano 70. Os seguidores de Jesus perduraram por serem menos combativos fisicamente. Esta era a aparente estratégia de Jesus. Ele sabia que a força, naquela época, punha e depunha reis. Ensinando a pensar e a agir, as gerações vindouras se modificariam. Não fosse Constantino e o Concílio de Niceia, imagino que teríamos um espírito humano mais decente; mais condizente com os ensinamentos deste mestre da antiguidade que, dentre tantos outros, se sacrificou para defender os seus ideais de igualdade. Sempre digo que se Jesus tivesse nascido em Atenas, seria Sócrates e, se Sócrates tivesse nascido em Belém/Nazaré, seria o Jesus. Loucos mulambentos, pregando a liberdade de pensamento em meio ao povo tido como “não-gentes”, sem terem escrito coisa alguma, por saberem que escritos bitolavam as pessoas e, por isso, trabalharam com metáforas que, caso fossem escritas, dariam margem de interpretação ao longo dos tempos, se atualizando com as realidades de cada tempo. E no final, ambos se entregaram à morte com o fim de ratificarem as suas ideias. Gênios loucos admiráveis!

Não importa se creem em sua divindade, se era um alienígena, se era um homem ou se nem mesmo existiu, como alguns insistem. O que deve ser observado é a sabedoria, a doação e o sacrifício. Bom senso e empatia. Os “meros ensinamentos” em quase mil evangelhos. Jesus tem tanta coisa em seu favor como sujeito existente, que é o que o faz parecer não ter existido. Afinal pessoas entram em contradições sobre detalhes fatuais, mas mantêm uma linha objetiva que não percebem.

Duvido que se Jesus pudesse decidir, fosse querer festa e tristeza no dia simbólico de sua morte. A sua morte representou o nascimento, quando o ser humano deveria sair da escuridão (opinião, submissão…) para a luz (sabedoria, questionamento, busca intelectual…). Voluntariedade ao sacrifício não é motivo de tristeza, mas sim, de reflexão e agradecimento, tal como de tomar como exemplo.

Por mais que insistam na ignorância do Apocalipse, que é referente ao Império Romano destruindo Jerusalém, na retaliação da Revolução de Bar Kokhiba, como se fosse algo a acontecer, podemos aprender com Jesus a interpretarmos metáforas ao longo dos tempos, colocando-as como positivas em todos os tempos que se tornarão hodiernos.

Se vamos crer em uma volta de Jesus e que Jesus está vivo, que esta crença seja na retomada da racionalidade, baseada no amor ágape, buscando o que reside em nós. Logo, Jesus vivo é a sabedoria residente em nossa alma (Ser, “Eu”, potência de vida… em caráter religioso, mitológico ou não) e, o seu retorno, seria o processo de racionalização pelo amor ágape, transformando a sabedoria; o conhecimento já existente em nós, em ações voltadas ao Todo.

Jesus não é uma figurinha de salvação por venda ou doação de milagres. Ele ensinou muito bem que o milagre está em nós. Milagre é fato sensível (percebido materialmente) sem compreensão/explicação de causa e, como o conhecimento já reside em nós, trazê-lo à tona é um milagre que ele nos ensinou a executar. Jesus não nos dá coisa alguma por orações ou sacrifícios a ele! A oração (falar) é a racionalização pautada no amor ágape e, o sacrifício, deve ser direcionado a propósitos maiores. Ele já nos deu a condição de sermos por nós mesmos, pela capacidade intelectual. Ensinou-nos a não cultuar e a não nos submetermos. Ensinou-nos estratégia e doação, além de sacrifício em nome do Todo.

Mostrou-nos, pela sua própria história, que ele não ensina como adquirir riquezas, quitar dívidas, construir patrimônios. Ele nos ensina a pensar e a agir e, assim, que cada um tenha a sua vitória financeira, mesmo não tendo sido algo da sua pauta em sua época. Se o propósito de um ser humano é adquirir bens materiais, que o faça por si, pois Jesus nos ensinou a adquirir coisas que não são deste mundo. O que não é deste mundo é a sabedoria, que reside no paraíso pessoal de cada um de nós e, estes tesouros, mesmo não sendo materiais, nos criam um paraíso na terra, resultante de nossas ações. O paraíso está na sabedoria que vem do “Eu” e, por isso, não é deste mundo (mundo sensível), pois viria de opiniões; de dominação.

Ensinou-nos em seus escritos mais complexos que o Deus que cultuavam e que ainda cultuam, não nos protege e que pouco se importa, supondo que exista fatualmente. É apenas uma ideia mal formulada (ver evangelhos: Sabedoria de Cristo e Arcontes).

Que reflitamos sobre a sexta-feira santa como dia simbólico da morte da razão e do amor ágape, com o sábado sendo o que estamos vivenciando e, o domingo, como o nosso acordar para a razão e a confiança em nós, pela “divindade” que temos arraigada em nosso Ser.

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