Ser virtuoso é condição para ser humano

Ser virtuoso é condição para ser humano

“A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado.” Essa foi a afirmação de Aristóteles em Ética a Nicômaco. A partir desta mesma afirmação, vamos pensar mais detidamente como é ser virtuoso na prática.

Apesar de parecer óbvio, algumas correntes filosóficas não permitirão que dessa premissa depreenda algo. Isso se dá devido ao constructo superficial que conceberam acerca daquilo que se pode ser chamado “apropriado”. Antes de adentrar tal, é mister trazer à tona exemplos mais banais para, por meio da comparação, podermos transferir para outros entes. Primeiro vamos considerar a virtude de uma faca. Mesmo enquanto objeto inanimado e, consequentemente, desprovido de qualquer ação voluntária, este ente possui uma finalidade. A faca será virtuosa quando usada como objeto de corte. Eis seu funcionamento apropriado. É bem verdade que algumas facas pontiagudas também podem ser usadas para desrosquear parafusos. Mas este uso se dá de maneira acidental, não sendo esta finalidade propriamente deste objeto.

Lançando mão a outro exemplo, embora parece ficar mais evidente o entendimento de virtude, vamos usar o carro (automóvel). Qual a virtude deste senão proporcionar um meio de locomoção para lugares previamente estabelecidos? Tudo que excede é acidente, são apetrechos totalmente supérfluos, embora favoreçam no uso para sua finalidade. É como usar uma luva no uso da faca no exemplo anterior: traz conforto mas não condiciona para sua virtude.

Tendo claro, a partir destes exemplos, o que a frase de Aristóteles descreve, vamos trazer à realidade do ser humano. Pode alegar, de antemão, que agora trata-se de um ser livre, de escolhas deliberadas e inteligência, e que por isso os exemplos anteriores são anulados diante de tais características humanas, inexistentes em qualquer outro ente. Com certeza foi, e ainda é essa alegação, com o passar do  tempo rebuscada, que faz com que a afirmação do filósofo venha a ser questionada e até relativizada. Por nocivo engano, entende, seus questionadores, que a liberdade, fruto da razão, é o salvo conduto de suas próprias escolhas. Ou seja, escolher – consequência da liberdade – a partir de sua racionalidade (aparente, por vezes) é o que de mais alto concede a ela o “poder” de julgar quais são suas próprias virtudes. É como se a faca, em hipotética condição de fazer escolhas, optasse por bater em pregos ou ser arremessada em um arco [de flechas]. Porém tal visão perde-se em si mesma quando relativiza a própria premissa; essa é a pedra de seu tropeço. Se a inteligência e sua consequente deliberação é o que justifica o questionamento sobre o que vem a ser apropriado para o homem, essa mesma inteligência coloca em xeque esse mesmo questionamento. Pois, se a inteligência capacita para tomar decisões, não são as pulsões e instintos inerentes ao ser animal (lembrando que o ser humano é também animal em certa medida) que farão com que essa razão seja manifesta.  As livres demandas instintivas quando levadas a cabo invalidarão a própria condição de seres inteligentes e capazes de deliberar, de fazer escolhas.

Portanto, quanto ao ser humano, quando dito que sua virtude é relativa ao seu apropriado funcionamento, superar seu lado animal a partir de escolhas verdadeiramente livres, tendo por finalidade a contemplação da verdade, será o ato da virtude, que é manifestada de diversas formas objetivas, sempre como meios a esta finalidade supracitada, não como fim último, como crê os estoicos.

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