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Relacionamentos Pingue-Pongue

Uma crônica sobre esquecimentos

Quando eu estava na oitava série eu sofria pra me lembrar da fórmula de Bhaskara, ficava só reclamando que nunca iria precisar disso na vida.
Enquanto isso o porteiro do meu prédio lembrava do nome de todos os moradores.
“Bom dia dona Dirce. Como vai o Carlinhos?”
“Olá Nelson. Melhorou da gripe?”
Não só lembrava dos nomes, mas sabia dos detalhes que passavam despercebidos por vezes até das pessoas mais próximas.
Eu que ainda era criança, sentia que de alguma forma esse era seu jeito de cuidar de nós. Em minha cabeça eu criava um link entre ser o porteiro e ser um vigia. Zelar por nossa segurança.
Nunca entendi por que o Sr. Carlos era o zelador se era o Sr. Antônio o porteiro quem zelava de nós.
Aprendi com a vida que zelo e cuidado muitas vezes são sinônimos.
Levei isso em meus relacionamentos, meu “Eu te amo” vinha disfarçado de “Fiz o bolo de cenoura com a calda de chocolate que você gosta” ou então uma massagem nos pés depois de um dia exaustivo de trabalho.
Eu achava que agindo assim existiria recíproca.
Mas é que relacionamentos não são jogos de pingue-pongue. Ou melhor, talvez até sejam. Ainda assim às vezes a bolinha cai fora da mesa.
Ela juntou todos os meus amigos no meu aniversário e fez uma festa surpresa. Não sei como ela conseguiu colocar tantas pessoas naquele apartamento.
O porteiro ligou umas três vezes reclamando do barulho.
Ainda bem que não era o Sr. Antônio.
Dois meses depois foi o aniversário dela, eu estava em fechamento de mês no trabalho, acabei me esquecendo.
Ela não conseguiu superar.
Mas é que relacionamentos não são jogos de pingue-pongue.
A bolinha caiu fora da mesa, ela se foi junto, porém deixou algo que guardo comigo até hoje. E não, não foi o resto do perfume pra cheirar e lembrar dela.
Foi o ensinamento de que as pessoas são diferentes e que talvez enquanto eu esperava o bolo de cenoura (e olha que podia até ser sem calda mesmo) ela só esperava que eu a levasse naquele restaurante japonês novo que abriu no centro. Ou que ao invés de massagem eu fizesse amor do jeito que ela sempre sonhou. Ou que no mínimo não esquecesse de seu aniversário.
E eu só pensando em todas as outras vezes que lembrei, fiz festa, enchi balão.
Mas na cabeça dela ficaram no passado.
Se esqueceu.
Que inveja que eu tenho do Sr. Antônio. Se a gente não se esquecesse tudo seria mais fácil.
E agora eu não me esqueço dela.
Já faz mais de três anos que não tenho notícias.
Será se ela ainda lembra de mim?

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