“Vivemos numa espécie de toxico dependencia digital”, quem o diz é o Professor e Psicólogo Eduardo Sá.
Sucessivamente agarrados às redes sociais, o smartphone tornou-se para nós um refúgio. Evitando o diálogo presencial, permitimo-nos a entrega ao afastamento, mesmo que na presença de terceiros. Construímos, hoje, relações que não dependem do contato pessoal e direto, da aproximação física, da partilha em tempo real de um espaço comum, de uma conversa, de emoções, da realidade envolvente…, mas sim de uma conexão virtual. Logicamente, a possibilidade da criação destes vínculos online permite-nos estar em contato com um vasto número de pessoas, contudo, e para que tal seja possível, é–nos necessário o isolamento. Só dessa forma se torna possível estar presentes nas diversas redes ligados aos demais. Este fenômeno de nova solidão social tem vindo a instituir no seio da sociedade uma clara dificuldade no exercício do diálogo frente a frente, assim como no desenvolvimento saudável das relações humanas, sejam elas familiares, sociais, emocionais ou profissionais.
Paradoxalmente, dispomos hoje em dia de um conjunto de ferramentas diversas que nos ajudam a comunicar, mas que nem sempre nos ensinam a ser mais comunicativos. Vivemos no seio da “sociedade da comunicação”, mas cada vez mais nos viramos para nós próprios.
Em linha, nos últimos anos, tornámo-nos especialistas em descrever a nossa existência através de imagens (os pés na areia ou à lareira, as bebidas à beira da piscina, as festas de sábado à noite, os jantares, os almoços, os pequenos-almoços, a roupa, as férias, as viagens…) Sem darmos conta, o nosso quotidiano inundou-se de “falsas felicidades” sustentadas por fotografias, tantas vezes capturadas e pensadas para o efeito.
O “estar bem” deixou de ser um caminho pessoal para se tornar uma imposição social. Mostrá-la, à felicidade, é uma exigência que colocamos a nós próprios e que, por consequência, projetamos para os demais, apenas aceitando quem dela partilha. As fragilidades do ser humano deixaram de ter lugar, assim como a consciência de que somos falíveis, que erramos, que choramos, que sofremos, que passamos por dificuldades num ou outro momento, que a tristeza é tão válida quanto a alegria, que não acordamos nem adormecemos perfeitos, tão pouco 100% realizados e sem quaisquer problemas na vida. E é esta “falsa felicidade” que tantas vezes cria, em quem assiste, um sentimento de inadaptação ao meio, frustração por não conseguir atingir determinados patamares de plenitude, objetivos que parecem tão fáceis de serem alcançados, desânimo por não emanar uma luz que, na verdade, é produzida e não natura, desalento por não se ser tão bem sucedido quanto aqueles que nos são mostrados, um sentimento de culpa pela falta de realização pessoal e por falhar no caminho para a aceitação segundo parâmetros questionáveis.
Na verdade, as imagens que diariamente publicamos não operam, nem trabalham sozinhas na estrada da plenitude. Necessitam de nós. Da nossa validação. Dos nossos “likes”, aplausos, comentários e partilhas que, por educação, nos são retribuídos.
“Arrasando” ou “Divando” por aí, num mundo condicionado pela opinião de terceiros, escolhemos mostrar a forma como queremos ser vistos, numa auto-representação quantas vezes exagerada da felicidade que: será que é nossa? No caso do Instagram, a rede social mais utilizada para a partilha e difusão da imagem, são os próprios quem escolhe a estratégia relacionada com a forma como querem ser. Eu diria parecer. (Creio, entre tanta solicitação que o presente nos estende, não sobrar espaço para refletir sobre o que se pretende realmente comunicar sobre si próprio). Assim, não rotulemos as redes como produtores gratuitos da “falsa felicidade” quando, na verdade, elas são meros veículos condutores, ou se quisermos, grandes vitrines pensadas para a exibição de modelos diversos.
É um facto que existe uma clara necessidade de aparentar ou seguir um determinado estilo de vida, padrão ou estado de espírito. É isso que nos torna produtores e disseminadores da própria imagem, em locais que nos asseguram o conforto necessário para o podermos parecer – as redes. E quando não produzimos, seguimos. (Hoje em dia, trabalha-se exaustivamente o exterior e a sua transformação, deixando o interior à mercê da erosão pelo tempo).
Talvez estejamos a viver uma Era da indústria do culto da felicidade, a avaliar pela constante associação de produtos (vários) às fotografias, mostrando-nos como seriamos bem mais felizes se praticássemos o seu consumo. Este é o papel dos influenciadores de tendências, que tantas vezes caem profundamente na necessidade da partilha diária e recorrente desta falsa felicidade, aliada a uma estratégia de imagem. O tal querer parecer.
A felicidade são momentos que só geram um determinado estado de plenitude quando vividos realisticamente e desprevenidamente. Nunca quando nos preparamos previamente para eles.
Lido por aí: “ A Felicidade não se explica, não é palpável, mas sente-se. Entra e sai, nunca fica. É feita de um material cósmico, uma mistura de pozinhos de pirilimpimpim com bocadinhos de arco-íris. Talvez também tenha um pedaço da Lua. Mas não é eterna. Não é total. Não é absoluta.”
Via OBVIOUS