A frase, citada por Karl Kerényi (Arquétipos da religião grega, edit Vozes), como “um famoso oráculo de Apolo”, me fez lembrar meu primeiro psicólogo: “quando alguém põe o dedo em sua ferida agradeça, pois a pessoa te mostrou que você tem uma ferida, agora você pode cuidar dela”.
Então quem te fere, não te fere, apenas te mostra suas feridas. Aquelas palavras que entram como lanças afiadas, que nos rasgam em dois, que nos fazem em pedaços, nos dão a oportunidade de reconstrução, renovação.
E como um eu antigo e despedaçado constrói algo novo? Ele não o faz! Não pode fazê-lo! Ele pode apenas observar os pedaços, ficar consigo próprio em pedaços, com a autoimagem estilhaçada no chão, junto com seus mais caros valores.
Olhar para os sentimentos de humilhação, rejeição, traição, ou quaisquer outras dores emocionais que o expulsaram de si mesmo.
Entrar em contato com eles, tornar-se o que dói, crescer com a sombra que lhe segue, até que não precise mais restaurar coisa alguma, nem ser coisa alguma. Então algo novo vai acontecendo, quando ele percebe que ele não é apenas os pedaços, mas é também aquele ser estranho e recente que olha para eles.
Toda vez que se é despedaçado, o despedaçamento expõe aquele que em nós permanece inteiro, como uma nova e consistente possibilidade de integridade, e a partir de onde se pode olhar em silêncio e aliviado para os pedaços que se foram.