Não há, pois, que dizer a si mesmo que há limites? Não é, pois, da natureza humana a impotência? Há desde então uma ânsia do inalcançável, pois os absolutos (concepções idealistas) são o que ontologicamente nos é faltante. Assim, pôr limites a si mesmo é uma das maiores virtudes, a moderação. Nada deve ser levado até às últimas consequências, pois “pecar” reside justamente em levar-se aos extremos da natureza humana _ dos aspectos mais vis aos mais sublimes.
Com levar-se quero dizer, levar o espírito ou a consciência, como queira chamar, a podridão e a mesquinhez dos instintos, ou (com uma disjunção não tão exclusiva assim) o pior deles, a soberba que leva o homem ao tropeço de achar que é; vã altivez ante a alteridade. Conceber a si mesmo como um ser “indivisível”, completo, é, pois, conceber um eu como uma instância totalizadora dos nossos conflitos, que se dá pela dimensão do inconsciente. Assim, o eu é uma instância totalizante pela ordem imaginária, pois a sua reflexão é “autossugestionante”, desprovida de argumentos convincentes, em suma, apela muito mais para o discurso retórico, talvez poético (a depender do nível de autoconvencimento e apropriação da poiesis, mesmo que deturpada, tal como com a aproximação do pensamento alienante da dimensão do sujeito do inconsciente) do que o analítico, que é onde de fato reside o reino do logos. Sendo assim, tal discurso que apela para o pathos facilmente passa a apelar para o ethos, tornando o indivíduo refém de suas identificações imaginárias, prendendo-o em um eu ideal, totalmente irreal, angustiante, pois no íntimo sabe-se que não o é, e o distanciando mais ainda da elaboração simbólica que o encaminhará ao ideal do eu.
Com a dimensão simbólica, a passagem do primeiro estádio do espelho para o segundo, nos “entrega” pelo corte um “Che Vuoi?” não determinante, assim, o sujeito não mais preso o é a demanda do Outro, o que o Outro deseja de mim é reinterpretado como “O que o Outro ‘pode’ ter de mim?” E “O que eu sou sem o Outro?” Ou melhor, quando a grande mãe mostra-se faltante, angustiada, assim como o pai e parte (longe do filho) em direção ao que não sei o que é, não identifico-me mais com o objeto perdido ou creio precisar ser o falo para responder a essa pergunta e ser o que ela deseja, mas apenas aceito a realidade tal como é e vejo-me como um sujeito “com” um falo, portador… Mesmo que não o seja; o lugar da fala é o lugar da falta.
Entretanto, é justamente desse conflito edipiano que, nesta perspectiva, o sujeito vê-se como um “herói” a desbravar seu próprio caminho em uma busca contínua do ideal Ich. Assim sendo, a lei é sobremaneiramente “psíquica”, melhor, “mítica”, se dar, pois, pela ordem da procura pela verdade do inconsciente ou do real que é impossível, mas é onde tudo acontece e é. A procura pela verdade é não uma procura pela adequação entre minhas elaborações técnicas/formais e a realidade, mas entre o discurso sobre o inconsciente e o inconsciente, que é em nós predominantemente contingente e angustiante.
A linguagem nos atravessa e nos trás um nome, que não é nome próprio, uma função que nos entrega “infinitos” valores e objetos possíveis a depender desses nomes, melhor dizendo, dessas interpretações. Em que há uma lógica a guiar tudo isso e essa lógica expressa-se sinteticamente em uma estrutura, porém, onde é melhor compreendido é quando se tem o que se “fez”, a divisão e, por conseguinte, a relação. Dessarte, que ciência comportaria a existência do inconsciente? Como seria articulado este defronte o real? Ou que ciência veria a significação do inconsciente real por meio da transferência como um “fato” neutro ante a assunção do realismo moderado? Portanto, a questão sobre a cientificidade da psicanálise deve ser substituída por: que ciência conteria ou suportaria a descoberta do inconsciente.