A diversidade não é sempre positiva, pois quando os conflitos consequentes das próprias características absolutamente individuais se chocam, os conflitos se tornam cada vez mais diretos. Diversidade positiva acontece quando, mesmo não havendo concordância, os elementos causadores das discordâncias não agridem os diferentes, de maneira que se possa perceber perigos verdadeiramente potentes.
Quanto maiores as sociedades, quanto mais diversas e mais diversos os seus subgrupos, mais complicado fica objetivar a subjetividade humana.
O excesso de diversidade comportamental hodierno em muitos países é, sem dúvida alguma, um problema que lidaremos em um futuro muito próximo.
Diversidade comportamental não é necessariamente diversidade cultural, que implica em uma construção comportamental mais complexa, que pode ser eficaz ou não a um determinado grupo e a outros ligados direta e indiretamente. Comportamentos culturais que afetam as liberdades individuais não são, sequer, dignos de respeito ou mera aceitação, pois havendo mera aceitação às atrocidades atuais ou iminentes, diretas e/ou consequentes, há fomento a elas, pela percepção de ausência de consequências punitivas, que acionariam as pulsões de autopreservação e limitação de condutas. Mas se as limitações se materializarem em reação e imposição pela força? Necessariamente quem combate deve impelir força maior ou, pelo menos, apresentar a sua potencialidade nas negociações, não implicando isso em ameaça direta e arbitrária, mas sim, lógica e normativa. Perceba-se que em termos comportamentais, principalmente inconscientes, a regência das ações vem da necessidade de autopreservação que, se torna extremamente complexa, pois a racionalização das pulsões cria argumentos extremamente desconexos para alguns grupos e absolutamente corretos para outros, mesmo que a materialidade das afirmativas seja impossível. Temos conflitos diretos neste ponto, pois a autopreservação de todos é defendida de acordo com as convicções de cada um, dentro de um contexto coletivo de cada grupo envolvido. Enquanto os animais apenas agem para se preservarem, sem valorarem as suas ações, nós, Seres humanos, agimos para nos preservarmos, mas necessariamente valorando as nossas condutas. E isso nos é necessário por sermos seres mais complexos e precisarmos dessas valorações para existirmos em um conjunto normativo. Exatamente neste ponto que muitas pessoas negam a essencialidade do atávico exigindo a promessa de força. Nada incomum pessoas não aprofundadas no estudo comportamental, afirmarem que os conflitos físicos nunca são a solução. Isso é um fato, até mesmo para qualquer fera que, mesmo não valorando as suas condutas, quer se preservar e, por isso, evita os conflitos físicos. No entanto, essas feras demonstram as suas potências de violência, exatamente para evitarem os conflitos diretos. Nós, Seres humanos, como animais, fazemos o mesmo, porém, com maior refino e, em alguns casos, com a negação de não existir a essencialidade do aspecto da promessa de violência. Queremos evitar os conflitos, mas precisamos demonstrar que temos potência para ameaçarmos quem, porventura, venha a nos ameaçar de maneira direta.
Isso acontece durante todo o tempo e em todas as relações humanas, mesmo que negado ou até mesmo não percebido pelas pessoas menos conhecedoras do comportamento, principalmente atávico. A própria necessidade de autopreservação leva à negação do real e material, para melhor existência emocional, pelo menos, até que o real e material se apresente, levando aos comuns conflitos internos, conhecidos e experimentados por diversas pessoas. Todas as ações ditas pacíficas se pautam em alguma promessa de força. Destarte, apresentar poder, de alguma forma, antes de negociar direitos, principalmente com grupos tidos como de condutas vis, faz-se necessário que conheçam o tamanho das consequências caso resistam e, isso, tende a levar às resoluções pacíficas. Um exemplo que sai do contexto aqui apresentado, mas que é mais didático e se enquadra objetivamente é um oficial de justiça entregando uma ordem judicial na porta de alguém. Tudo tende a ser resolvido pacificamente, pois a pessoa sabe que se desobedecer será forçada, pelo poder violência estatal, a cumprir a ordem. Assim, não é o pacífico nem a pessoa do juiz, tampouco a ordem escrita, mas o que a desobediência a isso representa em consequências violentas. Tal coisa, mesmo que inconscientemente em princípio, leva à obediência. Como tudo, deve haver ponderação em apresentação de consequências, para que um algo totalitarista e vil não seja substituído por outro. Por isso, devem, esses comportamentos culturais inadequados, serem combatidos, mas com base em uma normatividade positivada pelo Estado, mas principalmente pautada na complexa subjetividade existente no alcance de tais normas.
Comumente, combater comportamentos culturais é mais fácil, no sentido de serem conhecidos os elementos mais basilares. Mais fácil, não no sentido de obtenção de resultados, mas na compreensão dos pontos a serem trabalhados. Em contrapartida, comportamentos culturais implicam em uma enorme quantidade de elementos arraigados em uma sociedade já construída e, isso, comumente faz com que as mudanças buscadas aconteçam em diversas gerações vindouras. Mudanças estas em caráter interno, pois as comportamentais podem ser imediatas, apenas pelo enquadramento, pela autopreservação, porém, em um conjunto normativo menos danoso à maioria. Em contrapartida, uma exacerbada exigência de mudança de comportamento pela força, gera totalitarismo e potência de revide dos dominados. É necessária grande ponderação, para que o objetivo (normas) sejam equilibradas com o subjetivo (cada pessoa em cada grupo).
Diversidade comportamental não é necessariamente cultural, mas sim, um conjunto comportamental com regras que têm origens sem significados mais profundos e comumente conflitantes entre si. Algo que se tornou extremamente comum, principalmente entre jovens que querem se autoafirmar pela diferenciação, na tentativa de demonstrarem individualidade e poder de decisão.
Normas legais são pautadas no mínimo objetivo de um amplo conjunto subjetivo comportamental. Imaginemos um território de mil quilômetros quadrados, imaginando o infinito da subjetividade humana, limitado apenas pelo alcance de um ordenamento jurídico. Dentro desse território de mil quilômetros quadrados, o objetivo (norma) representa apenas dez quilômetros quadrados, onde tudo que há dentro dos mil quilômetros quadrados deve se encaixar. Por isso, imaginando um território real como exemplo simbólico, o ecossistema deve ser o mais semelhante possível, mesmo que em suas tantas formas de sub-apresentação, como seria no bioma cerrado, por exemplo, que tem diversas formas de apresentação, mas com elementos bastante harmonizados e semelhantes, mesmo existindo algumas espécies que podem gerar conflitos, se colocadas em regiões menos adaptadas a elas. Neste ponto que há a intervenção da espécie, deve haver a intervenção humana para que tudo se reequilibre. Então, temos uma analogia bastante simbólica com o Direito, que é objetivo, intervindo nas condutas humanas, que são subjetivas. Dentro do mesmo simbolismo, podemos perceber que seria muito mais difícil lidar com a intervenção de espécies amazônicas no cerrado que de outras espécies do próprio cerrado, mesmo que de regiões diferentes. Então, podemos melhor compreender sobre excessos de diversidade que não se adequam a um ambiente majoritário e já naturalizado ao longo de muito tempo. Assim, objetiva, deve ser uma norma e, por isso, podemos compreender o quão complexo é a aplicação do Direito, demonstrando a obviedade da impossibilidade de algo perfeito e eterno. Por isso, as sociedades que têm culturas definidas, com subculturas que são apenas marginais, mas não conflitantes em violência direta, seja física ou não, são menos complexas de aplicação normativa, mesmo que haja os naturais conflitos de discordância sobre a aplicação de uma norma.
A Psicanálise trata o subjetivo dentro do objetivo, enquanto que o Direito trata do subjetivo dentro do objetivo. Ambas têm tarefas árduas, mas as consequências do Direito afetam um número maior de pessoas, pois as normas estão no mundo material e obrigam as pessoas, independentemente de suas subjetividades, a se enquadrarem. A Psicanálise é um instrumento extremamente útil para o enquadramento da subjetividade em uma objetividade relativamente segura, que implica em haver conflitos de compreensão e aceitação, mas sem riscos de maior potencial ofensivo, seja físico ou psicológico.
É mais fácil o enquadramento às normas com as devidas modificações que o confrontamento a elas. Mas e se tais normas forem de necessário conflito? Aqui está o problema da objetividade normativa e do subjetivismo comportamental. Não há linearidade na dinâmica existencial e, por isso, sempre haverá a necessidade de resolução de problemas concretos, com o uso de normas existentes, modificadas e criadas, de acordo com as necessidades que surgem na intrincada teia existencial, que envolve elementos esperados e inesperados.
Somos pessoas e, isso, implica que somos constituídos de sujeito e indivíduo. O sujeito é a nossa parte que se sujeita; que negocia com o nosso individualismo para existirmos em grupo e, o indivíduo, é o que somos de maneira única e exclusiva, com base nas nossas experiências e meios em que estamos inseridos. Quando o indivíduo interno percebe perigo, pela autopreservação, combate o sujeito interno, que é a nossa parte comportamental submissa às normas do meio ambiente, independentemente de serem normas legais ou não. Por isso, em situação de perigo nosso ou de outrem que compreendamos necessário até mesmo o nosso sacrifício em troca da segurança, libertamos os nossos indivíduos internos e basicamente suprimimos os nossos sujeitos internos. Sujeito interno, por ser a nossa parte que se sujeita às regras do meio, para a autopreservação da pessoa e do próprio indivíduo interno, ao ser percebido como inútil em determinadas situações pela pessoa como um todo, se torna submisso ao nosso indivíduo interno, que percebe a necessidade de reação fora daquilo que o sujeito interno exigiria, pois há simplesmente autopreservação, seja em uma percepção direta ou não; atávica ou com base na consciência hodierna. A autopreservação também se manifesta na proteção da própria espécie e, por isso, a proteção de outrem pelo indivíduo interno é tão forte. Por exemplo, o pai que luta com uma fera selvagem para que a sua prole fuja e se coloque em segurança. Da mesma forma, um pai que poderia apenas imobilizar um delinquente que invadiu a sua casa e, ao invés disso, o mata, devido as suas convicções fazerem com que perceba a possibilidade de existirem mais delinquentes à espreita. Mesmo que este pai saiba que, de acordo com as suas convicções agiu para proteger direito seu e de outrem em perigo atual, também sabe que pode ser considerado como excessivo, por não ter a certeza de haver ou não mais delinquentes, tendo matado um indivíduo de menor porte físico e armado com um pedaço de pau apenas, mesmo que alegasse que o delinquente poderia ter uma arma na cintura. Poderiam juridicamente, em resposta, dizer que alguém com más intenções, com uma arma de fogo na cintura, não se apresentaria com um pedaço de pau, mesmo que tal coisa, subjetivamente, seja absolutamente possível e real por diversos fatores, dando como exemplo, pensamentos desconexos por problemas preexistentes e/ou consequentes do uso de drogas. O racional o diria para se esconder com a prole e chamar a polícia, mas o outro racional, com base mais potente no atávico protetivo de si e de outrem, diria para reagir e dar mais tempo da prole ficar afastada do delinquente, até que a polícia chegue. Perceba-se que ambas as situações poderiam ter supedâneo legal, sendo apenas um exemplo simplório para análise, mas fato é que não matar seria muito mais seguro juridicamente, enquanto o matar seria mais seguro natural e individualmente. E aqui temos o indivíduo interior se sobrepondo ao sujeito interior pela autopreservação.
Jamais haverá um ordenamento ou, sequer, um conjunto normativo que agrade a todas as pessoas sendo justo, pois a subjetividade não permite tal coisa. Por isso, o melhor enquadramento normativo-comportamental depende de maior coesão comportamental. Isso, também, pode ser algo perigoso? Sim! Pois exatamente pelo subjetivismo, quem estiver à frente de uma hipotética harmonização jurídico-comportamental, poderá aplicar o que para si é justo e agredir aos demais. Há alguma forma de resolver tal perigo? Não! Enquanto houver subjetivismo humano, e sempre haverá enquanto humanos formos, sempre haverá perigos, tal como sempre haverá a necessidade de correr riscos em nome de possibilidades de melhores condições existenciais, frente às análises de maiores perigos certos.
A realidade não é uma ilusão de conto de fadas e, por isso, não tem respostas prontas e, tampouco eternas e justas. Enquanto formos humanos, necessariamente seremos subjetivos, existindo em um conjunto objetivo de normas, exatamente para equilibrarmos as nossas subjetividades, não de maneira a não existirem conflitos, mas diminuindo, ao máximo, as suas potências e, quando as potências não puderem ser diminuídas, diminuir a frequência de tais conflitos dotados de maior potência consequencial negativa.
Direito não é justo, pois o justo é subjetivo. Se o Direito fosse justo, seria terrível, pois dependeria de percepções totalitaristas. Justo é a percepção pessoal sobre determinados fatos e consequências. É como uma roupa que se veste confortavelmente, sem folgas e nem apertos. Uma mesma camisa não serve em todas as pessoas, tal como a percepção de justiça. Destarte, o Direito deve ser um instrumento de manutenção de uma relativa paz social.
Isso implica que o Direito não extingue os conflitos, mas os minimiza em potência, mesmo que as quantidades permaneçam ou, diminui as quantidades, mesmo que as potências permaneçam. Ele, o Direito, evita que as pessoas decidam subjetivamente os seus conflitos, pois isso criaria um caos entre pequenos subgrupos que se valeriam de suas meras convicções. Imperaria a força direta e, não a promessa indireta dela, tal como o Direito faz de maneira limitada objetivamente. O Direito é a essencial e indispensável intervenção do objetivo (norma) no subjetivo (ações por convicções) de cada pessoa ou grupos de pessoas com ideias semelhantes, mas que agem contra as normas postas.
O Direito deve ser objetivo-subjetivo, implicando em manter um emolduramento de determinadas ações que se enquadram em um infinito número de subjetividades. Tal emolduramento deve se materializar na taxatividade normativa, necessariamente para evitar o exacerbado subjetivismo interpretativo, mesmo que pautado na objetividade. Devido a tal complexidade o Direito deve ser dinâmico, pois os comportamentos mudam constantemente, por diversos motivos e, em sociedades com maior número de pessoas e maior diversidade comportamental, seja culturalmente ou não, o rol objetivo do direito fica cada vez mais complexo de adequar as subjetividades nele. Destarte, pautar casos concretos a um conjunto normativo e tratar o caso como precedente, o transformando em uma espécie de norma pautada na norma em si, em muitos casos pode transformar o necessário objetivismo normativo em um subjetivismo formalizado por mero fato, que se transforma em objetivismo, mas correndo sérios riscos de se tornar totalitarista e menos eficiente que a mera norma em si.
Não há uma solução fácil ou definitiva, mas sim, a necessidade de percepção dos fatos existenciais como são.
O Direito trata de limitar o individualismo exacerbado e, por isso, não pode ser justo e tampouco completamente eficiente. Por isso, deve ser pensado e remodelado de acordo com as dinâmicas que exigem tal coisa. O justo cabe ao íntimo de cada pessoa e, ao Direito, cabe a limitação dos tantos sensos de justiça, para que não haja uma justiça perversa, mas sim, um Direito eficiente.
Por fim, atuar no Direito é uma árdua tarefa, pois implica em agredir subjetividades que, em muitos casos, parecem, pelo senso de justiça do aplicador do Direito, algo absolutamente aceitável, mas que em nome da manutenção da relativa paz social, prevalece o objetivo. Já atuar na Psicanálise, implica em trabalhar subjetivismos que não seriam necessariamente antijurídicos, mas que poderiam levar a tal antijuridicidade por diversas questões comportamentais e factuais, fazendo psicanalista e paciente, acordarem e discordarem, mas agirem de acordo com o que discordam, por compreenderem que os resultados mais positivos dependem da negação de determinadas ações pautadas em convicções e pulsões. No entanto, as convicções permanecem, pois estas, são de caráter personalíssimo e, necessariamente não precisam ser materializadas, mesmo que haja desejo para tal, como há na grande maioria dos casos. Tal coisa, provoca o indivíduo interno a se manifestar e, tal coisa, obriga psicanalista e paciente a se aterem na transformação do “Eu” do paciente em um “Eu-Nós” (Eu= pessoa: sujeito e indivíduos internos; Nós: os demais Eus – pessoas – em sociedade e os seus conjuntos de regras), implicando em um equilíbrio entre sujeito e indivíduo internos.
Psicanálise e Direito são fundações de uma sociedade menos conflituosa e até mesmo mais agradável, pois trabalham a regulação das ações e das convicções pelas limitações que apresentam e impõem, direta e/ou indiretamente, pela apresentação clara das consequência, mesmo que em alguns casos, a apresentação das consequências acabe se materializando pela negação das compreensões fornecidas claramente. Mesmo em meio a esse aparente conflito, há elementos para que os conflitos não existam ou, no mínimo, para que se tornem menos frequentes e/ou menos potentes, com soluções técnicas e de boa eficiência.
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