“Deus, sendo bom, fez todas as coisas boas. De onde vem o Mal?” (Santo Agostinho)
A história da humanidade é marcada por tragédias, violência, ascensão de guerras, tiranias, governos autoritários e por conflitos armados funestos de grande magnitude. Certamente, os últimos dois séculos da Idade Contemporânea nos levam a questionar a sanidade moral da humanidade e, sobretudo, levantam discussões acerca da natureza do Mal e de sua origem. A tragédia da Primeira guerra mundial, o surgimento de regimes totalitários, os horrores da Segunda Guerra mundial e os acontecimentos que marcaram a Guerra Fria deixaram marcas profundas no espírito humano.
Não obstante o passado nefasto do século XX, os eventos do século atual encontram-se inseridos numa triste conjuntura de violação de direitos fundamentais, perseguições religiosas, doenças, autoritarismos e desprezo pelos valores morais objetivos. Portanto, qual é a origem do mal? O que é responsável pelas tragédias morais que mancham a história humana?
Ao longo da história da filosofia, vários pensadores se dedicaram ao estudo da origem e da natureza do mal, dentre eles: Sócrates, Platão, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Gottfried Wilhelm Leibniz, Thomas Hobbes e Hannah Arendt. Certamente, uma das maiores explanações acerca do Mal encontra-se nos escritos de Santo Agostinho, sobretudo em suas ponderações concernentes ao aspecto da moralidade, da Criação e da natureza humana.
Agostinho era categórico na afirmação segundo a qual não há o mal absoluto. Na realidade, o teólogo em questão negava a existência do Mal enquanto “substância”. Destarte, há uma negação do Mal enquanto ontológico, ou seja, como realidade metafísica. Deus, em sua Suma Bondade, criou todas as coisas em conformidade com o Bem. O Mal deve ser entendido como privação, corrupção, “ausência de Bem”. Se a vocação primordial do homem é a união efetiva com o Criador, o Mal é aquilo que afasta o indivíduo de sua plena comunhão com Deus. Numa relação de continuidade com a cosmovisão agostiniana, São Tomás de Aquino define o Mal como “carência de um bem devido”. Santo Agostinho ressaltava que existe uma hierarquia de bens na criação. Deus é o Bem infinito e a criatura, obviamente, representa um bem menor. O Mal moral consiste em escolher os bens menores ao invés do Sumo Bem. Portanto, o mal consiste na corrupção, na degradação.
Até mesmo os males físicos derivam do pecado original e, em última instância, do Mal Moral. “O mal, cuja origem buscava, não é uma substância, porque, se fosse uma substância, seria um bem. E, na verdade, seria uma substância incorruptível e, por isso, sem dúvida um grande bem ou seria uma substância corruptível e, por isso, um bem que, de outra forma, não poderia estar sujeito à corrupção.” (Santo Agostinho, em sua obra Confissões). Portanto, o mal não é fruto direto da criação de Deus. Pode-se dizer que o argumento de Agostinho derruba as bases do “paradoxo de Epicuro”.
Sendo assim, sempre devemos dirigir nossas ações, desejos, inteligência e vontade para o Bem maior, ou seja, para realização efetiva de nossa vocação primordial, a saber: a união afetiva com Deus, através da ação do Espírito Santo e por meio dos méritos da obra redentora de Cristo. O Mal encontra-se na natureza humana enquanto uma fragilidade que conduz ao processo de degradação e corrupção. Somente a graça de Deus e o exercício contínuo da caridade são capazes de frear os efeitos nocivos da marca do mal moral e do pecado original.
Por fim, é eminente ter consciência de que são as pequenas coisas, os exercícios diários da justiça, da paciência e da benignidade que mantêm o mal afastado. Nas palavras de Santa Teresa de Lisieux: “Não perca sequer uma oportunidade de fazer um pequeno sacrifício. Um sorriso aqui; uma palavra gentil acolá. Sempre fazendo pequenos atos de bondade; e sempre fazendo tudo por amor”. Conforme ressaltava o personagem Gandalf da saga O Senhor dos Anéis:
“Saruman acredita que apenas um grande poder pode manter o mal sobre controle, mas não é o que descobri. Descobri que são as pequenas coisas, as tarefas diárias de pessoas comuns que mantém o mal afastado, simples ações de bondade e amor.” (Gandalf em O Hobbit- Uma jornada inesperada)
Concluindo, devemos nos esforçar para viver conforme os ditames do verdadeiro bem. É triste viver na escolha de bens menores e efêmeros. Que Deus nos dê a graça de vivermos na plenitude da caridade e da vida virtuosa.
“A maior estimação do bem perdido não provém da dor da perda, nem da mesma perda do bem; mas por ocasião da perda provém o maior e o verdadeiro conhecimento do mesmo bem, o qual antes de perdido não se conhecia. Entre o conhecimento do bem e do mal há uma grande diferença: o mal conhece-se quando se tem e o bem quando se teve; o mal quando se padece, o bem quando se perde” (Padre Vieira, Sermões. As cinco pedras da Funda de Davi em Cinco discursos morais- Discurso II).
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