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O Vírus que mata o Amor

Para a tristeza de alguns, não estou aqui para falar de Covid-19. O artigo trata de um mal muito maior, embora muito menos propagado; pois sucedendo sua divulgação, a comodidade de muitos estariam em risco.

Antes de mais nada, devo esclarecer não se tratar dos vírus que estão em voga. Mais do que qualquer outro vírus, este que trarei é um vírus que ultrapassa séculos, milênios até. Trata-se da acídia (ou acédia). Eventualmente sua primeira estranheza denuncia a gravidade desse vírus, pois quando um vírus é conhecido e reconhecido, por mais que tarda, seu tratamento se torna viável; ao contrário, quando há desconhecimento ou voluntária ignorância, a busca por meios efetivos para a “cura” se torna nula, já que o objeto da busca não é dado objetivamente.
Aos que tiveram uma educação mais clássica, um pouco distante da visão moderna de moldar a linguagem conforme o vislumbre à virtude vai ficando antiquado, sabem que a acídia é uma paixão, e, como paixão, não é em si mesma má ou boa, mas quando aplicada a coisas más é repreensível, e quando aplicadas ao bem lhe é louvável, descreve Santo Tomás de Aquino.

O próprio Doutor Angélico continua a descrever a acídia: é próprio da humildade a não exaltação, considerando seus próprios defeitos; mas, ao contrário, não é humildade, senão sinal de ingratidão, desprezarmos os bens que são os dons de Deus. E é desse desprezo que nasce a acídia (STh, II – II, q35, art 1, r3)

O título deste artigo, embora muito citado Santo Tomás, provem de outro piedoso santo, são Gaspar Bertoni, que aliás é título de uma de suas obras mais conhecidas. Nesta obra, ele descreve a acídia como um enfado. São Gaspar, assim como Santo Tomás, afirma com total propriedade que a acídia é o outro polo da alegria espiritual, que nasce do amor e se compraz somente em Deus e nas coisas divinas. (Bertone, são Gaspar. Acídia: vírus que mata o amor, pg 32, ed. PUC GO)

Como autêntico vírus, descrito na biologia como parasitas que adentram em células vivas para fazer uso de todos os seus recursos, a acídia, que pela singular diferença já estão em nós, tomam-nos a disposição para realizar o que temos de praticar por dever à Caridade (Se nos cansemos de fazer o bem; se de fato não desistirmos, ao chegar o tempo colheremos. Pois enquanto temos ocasião, façamos o bem a todos (Gl6,9-10). O fato é que tanto parar como adiar são ações que brotam da acídia. Não se trata apenas de apatia por estar consumido pelo tédio, no imperativo de outrem para que se pratique a virtude que não somos obrigados a fazer; a acídia é má quando nos entristecermos de realizar as obras, como citado acima, que nos é de dever realizá-las.

Portanto, afirma Santo Tomás, não é acídia o afastamento de qualquer bem espiritual, mas o do bem divino, ao qual é necessário à nossa mente unir-se (STh, II – II, q35, art 3, r2). E é aqui que começa a fazer sentido o título desse artigo. Não há quem mais longe pode estar do amor quem longe do Primeiro Amor se encontra. Quando o acidioso voluntariamente assume essa tristeza com o bem divino, assume também a ausência em si da Caridade, que se expressa na prática das boas obras corporais e espirituais. Por isso, mais que um vírus que se aloja nas células, causando, por vezes, a morte corporal; o vírus mais letal será aquele que além de obstar as vistas para o divino transcendente, fim último, ainda nos separa do gozo da alma da bem-aventurança eterna.

Filhas da Acídia

Como pecado (vício) capital, ou seja, vício pelo qual outros vícios procedem,  a acídia tem algumas ramificações. Aristóteles, citado por Santo Tomás na Suma Teológica, dá duas consequências advindas da acídia: o afastar daquilo que lhe entristece e, em contrapartida, buscar a realizar-se nos deleites. Neste sentido, quem não pode gozar dos prazeres espirituais, frutos da não acídia, buscará os prazeres corpóreos. Disto isso, aqui se faz a necessidade da descrição de algumas principais filhas da acídia: malícia, aqui no sentido de enfado pelos bens espirituais se contrapondo ao deleite corpóreo; medo, ao rejeitar a ajudar e os meios para sua cura; desespero, pois acha o fim inatingível e por isso não age, e; sonolência e ociosidade, esta o total abandono de mudar de atitude e a primeira na negligência junto ao propósito no cumprimento dos preceitos. Aqui está implícito que o acidioso se torna facilmente escravo dos vícios.

Cura

O amor não morre de causa natural. Sucede, porém, que o desmazelo, a indiferença, o descuido, o abandono e tantas outras ações fazem com que o amor se perca, não matura. Afirma são Gaspar que o ser humano é nascido do amor Divino, e que somente se realizará quando tornar-se capaz de amar, de doar, de ofertar a si mesmo. Somente o acidioso falta com seu dever na missão de todo ser humano. (Bertoni, são Gaspar. Acídia: vírus que mata o amor, pg 39, ed. PUC GO)
Como qualquer pecado, sua consumação se dá necessariamente a partir do consentimento da razão. Por isto, antes de recorrer ao uso dela para a construção de salvos condutos a partir da real imperfeição humana e de sua fraqueza carnal, permita assentir que, diferente dos animais irracionais, somos dotados de vontades, cujo princípio é a razão, da livre escolhe e moderação dos atos.

Assim sendo:
conclui São Gaspar:

• Começar a fazer algo de bom; e depois perseverar.  

• Buscar disciplina e empenho constante.

• Não se deixar abater pelas dificuldades e pelo medo.

• Permanecer firme na confiança em Deus.

Referências:

Santo Tomás de Aquino – Suma Teológica

São Gaspar Bertoni – Acídia: Vírus que mata o amor

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