Rodrigo (nome fictício), 10 anos, morador de um bairro periférico de uma grande capital, acorda às 4h da manhã para dar início a mais uma jornada até a escola onde estuda. Ele toma seu banho e parte para o ponto de ônibus – ele não esqueceu de tomar o café da manhã, simplesmente essa refeição inexiste em seu cotidiano. Chega ao ponto de ônibus às 5h, toma seu transporte e acaba por chegar ao destino final próximo às 7h.
Já um pouco fatigado e com fome por conta de uma rotina pouco recomendada para uma criança, Rodrigo chega à escola pública. Lá encontra uma realidade frequente: estrutura precária, ausência de professores, merenda escassa, etc.
O estudante se dirige a sala de aula onde permanecerá por um bom tempo até o horário do recreio. Ele tenta se esforçar ao máximo para acompanhar a lição posta pelo professor, mas o sono e a fome intervêm negativamente em sua aprendizagem. Não havia como ser diferente: Rodrigo sente imensas dificuldades para prestar atenção na aula.
Com o tempo, seu baixo rendimento preocupa os professores que – na pressa em prover algum solução para o caso – logo exclamam: déficit de atenção! Só pode ser isso!
Tão logo a mãe de Rodrigo é chamada pela escola que lhe informa do “rótulo” atribuído a dificuldade que o seu filho vem apresentando. Esta busca mais informações a fim de ajudar o filho e é informada que deve buscar uma consulta com um psiquiatra. Afinal, este profissional detém o poder de prescrever a medicação correta para “consertar” o seu pequeno.
Resolvi parar a história por aqui para que ela não ficasse tão longa. O final dela, segundo dados da nossa experiência, mostra que o rótulo atribuído a Rodrigo o levará a um serviço de saúde que proverá o diagnóstico e prescreverá a “devida” medicação que pouco servirá para tratá-lo.
AFINAL, O QUE É A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO?
Como visto no início da história contada, a chegada do nosso protagonista ao consultório (seja ele qual for) ocorre através de uma narrativa pronta e falseada acerca de sua realidade.
As inúmeras dificuldades que enfrenta ao longo do dia – e que incidem diretamente na sua capacidade de prestar atenção – estão longe de serem resolvidas pela ação de um simples fármaco.
É absurdo, porém esse tipo de história tem sido exaustivamente repetida e já é conhecida de muitos profissionais que atuam na área da saúde. Existe até um termo que utilizamos para nos referir a todo esse processo: medicalização da educação.
Sendo mais específico, a medicalização da educação refere-se ao “encaminhamento de escolares para serviços médicos, a fim de solucionar supostos problemas de aprendizagem”.
Rodrigo tem uma rotina difícil que acabou sendo totalmente desconsiderada em seu diagnóstico. História essa que se assemelha a de milhões de crianças em todo o país.
Não raro, essas crianças são responsabilizadas pelo seu “fracasso escolar”. Ou seja, tem-se todo um construto teórico – amparado em discursos científicos que destacam um mau funcionamento de alguma parte do cérebro – para culpabilizar as crianças por sua aparente dificuldade em aprender. Descarta-se da investigação tudo aquilo que escape da estrutura biológica do ser, produzindo assim uma “valorização desproporcional de explicações neurológicas e genéticas e o psiquismo do humano é reduzido […]”.
COMO COMBATER A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO?
Eis um ditado que tende a nunca ser deletado da história da humanidade: “muito ajuda quem não atrapalha!”.
Estar atento e evitar que um fenômeno complexo e multideterminado como a aprendizagem seja reduzido a aspectos orgânicos do ser humano é um primeiro e grande passo!
Como vimos, o processo no qual a aprendizagem está envolvida depende das “condições sociais, institucionais, políticas e econômicas nas quais estamos inseridos”.
O olhar do pai, professor, profissional da saúde (e tantos outros) deve ser amplo. Logo, sempre desconfie de diagnósticos reducionistas e/ou feitos às pressas. E, principalmente se este for provido por um profissional não habilitado para tal.
Só assim poderemos fornecer uma visão mais integral e fidedigna acerca da situação do sujeito que sofre, ofertando um acolhimento ideal para este tipo de demanda.
Leia nossa indicação e post “Metáforas cotidianas, parafraseando a vida”
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