Em meio a uma conjuntura nacional de crescimento da pobreza, é comum o questionamento acerca das atribuições e funções do Estado nas tentativas de atenuar o problema em questão. Por certo, o atual cenário econômico brasileiro é marcado por uma notável e funesta concentração de renda, pois casos mais graves de fome convivem ao lado de posses luxuosas e imensas propriedades rurais, ou seja, a fome coexiste com as condições materiais para resolvê-la, conforme aponta o geógrafo brasileiro Carlos Porto Gonçalves. Nesse sentido, é preciso reiterar as responsabilidades do poder público e da sociedade civil no combate ao problema supramencionado.
Sob o mesmo ponto de vista, a Doutrina Social da Igreja Católica frisa uma concepção teleológica do Estado, segundo a qual o governo e suas instituições devem ser analisadas a partir de uma finalidade, a saber: a realização do bem comum, compreendido, nas palavras do Papa João XXIII, enquanto o conjunto de todas as condições de vida social que favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana, bem como da comunidade em geral. Destarte, é impossível a concretização do bem comum numa conjuntura em que a concentração de renda favorece casos de pobreza extrema.
No Brasil, a fragilidade do bem comum é demonstrada pela precariedade dos direitos sociais. Apesar da alta carga tributária, o poder público é incapaz de ofertar o chamado mínimo existencial, pois o dinheiro dos impostos acaba sendo direcionado para sustentar a burocracia estatal, os extremos gastos com o judiciário, os salários dos membros do legislativo e, sobretudo, a corrupção. Sendo assim, a concentração de renda adquire uma realidade substancial num contexto de fragilidade dos direito sociais, ocasionada pelo descaso do poder público no cumprimento de suas funções legais. Dessa forma, a pobreza da população começa a alcançar níveis alarmantes.
Diante do exposto, vários pensadores, incluindo importantes liberais, frisaram medidas e tentativas no sentido de atenuar casos de pobreza extrema. À vista disso, o filósofo liberal britânico Thomas Paine defendia uma espécie de renda mínima universal, cuja proposta consistia em cada fazendeiro (grande proprietário rural) oferecer uma quantia de capital a ser distribuída de forma igualitária aos que não possuíam acesso aos direitos de propriedade. Semelhantemente, John Rawls reiterava que a posse de grandes propriedades e o acúmulo de uma imensa quantia de capital não podem coexistir com situações de extrema pobreza, sendo necessário, portanto, nessa conjuntura, estabelecer limites ao direito de propriedade.
Inquestionavelmente, por maior que seja a eminência do Poder Público na pacificação social, é inegável que a difusão geral da prosperidade econômica necessita dos valores elementares de liberdade econômico, sobretudo, aplicados ao contexto de empresas locais e familiares. Nesse sentido, o excesso de burocracia estatal e de um intervencionismo cego acabam por desestruturar a dimensão axiológica de uma ordem econômica fundamentada na dignidade da pessoa humana, nos laços de pessoalidade, generosidade, caridade. Portanto, o favorecimento de pequenas empresas auxilia na manutenção de uma economia contrária ao corporativismo, ao processo de exploração das grandes empresas e aos traços impessoais de grandes corporações e sociedades anônimas. Uma economia fundada em bases locais e nos valores de comunitarismo auxiliam no progresso mais humano da vida social.
O trabalho nas pequenas e médias empresas, o trabalho artesanal e o trabalho independente podem constituir uma ocasião para tornar mais humana a experiência do trabalho, tanto pela possibilidade de estabelecer positivas relações interpessoais em comunidades de pequenas dimensões, quanto pelas oportunidades oferecidas por uma maior iniciativa e empreendimento; mas não são poucos, nestes setores, os casos de tratamentos injustos, de trabalho mal remunerado e sobretudo inseguro. (Doutrina Social da Igreja Católica)
Em virtude dos fatos apresentados, cabe ao Estado direcionar melhor seus recursos aos direitos sociais, sobretudo, através do fortalecimento de políticas fiscais e da contenção dos salários de executivos. Ademais, a adoção de uma tributação progressiva da riqueza seria de grande valia na promoção de uma equidade social. Também é necessária a boa aplicação do princípio da livre iniciativa, pois o intervencionismo exacerbado do estado sufoca o espírito legítimo da prática empreendedora. Conforme destacado acima, o favorecimento das pequenas empresas auxilia na difusão geral da prosperidade, portanto, na conjuntura nacional, o governo deve estimular práticas e legislações que possibilitem o pleno desenvolvimento das atividades empresariais locais e familiares.
Apesar da responsabilidade das instituições públicas, a sociedade civil apresenta atribuições imprescindíveis, a saber: o estímulo da caridade e o enobrecimento das práticas de generosidade. Em última instância, o combate ao individualismo e a valorização de uma ética das virtudes contribuem exponencialmente para a diminuição da concentração de renda e dos casos de pobreza extrema. Por fim, é preciso reiterar a concepção teleológica do Estado, enquanto instituição voltada ao bem comum.