Nunca fiz parte do time dos românticos, dos que se entregam facilmente e que se apaixonam mais de três vez ao ano, muito menos me imaginei vivendo amores como os encontrados em cenas de filme. sempre me considerei um ermitão por isso. Entretanto, não julgo os românticos e digo mais: adoro o romance, o cortejo, músicas e todo o charme da conquista, além de ser um tanto viciada em assistir romances do século 19.
A princípio, um belo dia me peguei lendo sobre romances e tive a informação que esse tipo de romance cortês passou a existir no século XIX e com isso a ideia do viver a dois começou a ser uma aposta na felicidade eterna e na dependência do amor exclusivo do outro. Ou melhor dizendo: Uma ilusão.
Quais são as desvantagens e vantagens do amor romântico?
Com as profundas mudanças e a nossa busca por individualidade no mundo moderno, a independência como meta de vida e a evolução social… fez com que simultaneamente pagássemos por um preço: o fim do romantismo. O que é de fato, triste. Mas algo inevitável. Ainda existe os românticos de plantão, mas não seria o amor romântico uma construção cultural? Fica o questionamento.
Creio que vivemos em uma socialização que ainda tem traços baseados no amor romântico idealizado, que nos remete a um ideal de amor com ênfase nas emoções, um tipo de afeto vivido como se fosse ser eterno. Esse tipo de amor é apresentado constantemente por meio de livros, filmes, série e músicas. Crescemos assistindo cinderela e outros contos que enchem a nossa cabeça de que alguém virá nos salvar desse mundo terrível e de que o amor tem uma predefinição: Alguém que nos ama e aceita como nós somos e que tudo é fácil e belo depois desse encontro mágico de duas almas gêmeas.
De antemão, um relacionamento amoroso saudável exige muito trabalho, comunicação, sincronicidade, alinhamento e muitas renúncias. E na vida real é muito mais sem cor — por diversos momentos. Pois a realidade é muito mais dura. E se relacionar é um tiro no escuro.
Existem contos que mostram a realidade?
Ao passo que somos bombardeados de contos que se afastam da realidade, em contrapartida, temos os que nos aproximam da realidade. Um filme que me recorda como as relações podem ser na realidade em controvérsia com o amor romântico idealizado é o longa 500 dias com ela. Que apesar dos apesares e todas críticas construídas sob esse longa, apresenta questões que abordam de forma objetiva, de como pode ser a nossa realidade nua e crua dentro das relações afetivas.
Tal qual, o filme com direção de Mark web e Roteiro escrito por Scott Neustadter e Michael H. Webe, discorre uma narrativa que entrega de que maneira os relacionamentos amorosos podem ser conduzidos por nossas limitações pessoais e projeções, bem como expõe a transitoriedade de nossos sentimentos. Sob o mesmo ponto de vista, o filme também surpreende por fugir do padrão comum dos filmes apaixonados, onde é colocado um homem vivendo sob paixões ilusórias ao invés de uma mulher.
Contudo, a cereja do bolo dessa obra cinematográfica é a forma realista de como a história acontece com os personagens, evidenciando algo que há algum tempo tive o ultimato: Não existem vilões dentro de uma relação, mas sim expectativas frustradas por colocarmos projeções irreais nas pessoas e no que buscamos em um relacionamento. Já observou como inúmeras vezes temos o hábito de transferir ao outro a responsabilidade pelo o que sentimos? Cilada daquelas.
E é isso que normalmente nos acontece: O amor romântico eleva nossas pretensões românticas e aumenta o nosso apego e egoísmo. Acredito que o amor romântico tão buscado e perpetuado em nossas mentes, acaba por contribuir com uma ideia errônea de que o encontro amoroso não é tão complexo como realmente é.
Outro bom filme é: Todas As Razões Para Esquecer, Obra brasileira dirigida por Pedro Coutinho com Johnny Massaro e Bianca Comparato. A obra nada mais nada menos demonstra o quão complexo é viver com outra pessoa e de como o outro pode nos consumir, fazendo-nos perder nossa identidade. Afinal, se relacionar é complexo e acima de tudo, estar sujeito a não se desprender tão fácil de quem passa por nossa vida.
“Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós. “
Antoine de Saint-Exupery.
As vezes levam tanto que acabamos perdendo nossa própria identidade? Constantemente, escuto na roda de conversa com amigas a seguinte frase: “Não sei mas nem quem eu sou”. Mesclando esses insights com a obra, conclui-se das mais variadas formas, o quanto temos o tempo todo a necessidade de ter um abrigo e aconchego, seja ele físico ou emocional, aliada ao desejo de ser amado, o que é capaz de afetar a sensatez e o raciocínio racional de qualquer pessoa, o que nos leva a perder do que somos: perder a nossa essência.
Minha mãe me conta até hoje que quando pequena eu adorava brincar só, conversar só e tinha muita alegria em minha própria companhia. E isso não mudou muito quando eu cresci. Crescemos rodeados de filmes e livros que nos falam que estar sozinha é sinônimo de fracassar e que ter alguém do nosso lado é métrica de uma vida bem sucedida. Importante ressaltar, que para nós mulheres é ainda mais complexo, o que acabamos por vezes desenvolvendo maior dependência afetiva, devido a nossa socialização que diz ser frustrante uma mulher estar sozinha e viver a sua própria solitude.
Mas claro, qualquer pessoa independente de gênero, ao estar vivenciando sua solitude é diariamente questionada pelo fato de estar “só”, colocado frequentemente como algo muito pejorativo.
A realidade é que eu sempre levei o fato de ficar “só” como algo normal e bom. Minha liberdade pessoal e a busca por mim mesma sempre foi algo crucial para mim. Porém, percebi após essa busca que na realidade por diversos momentos também tinha uma atitude sabotadora dentro de mim, havia um impasse de estar perdendo minha liberdade pessoal por inconscientemente achar que mostrar minhas realidades internas daria ao outro a oportunidade de me ferir.
Mas o fato de ficar bem só, por si só, já não devia nos tornar aptos?
Saber estar só não é o suficiente. Pelo menos para mim, naquele ciclo de descoberta pessoal, vi que não. O fato é que existem inúmeras receitas, respostas e fórmulas sobre as relações e essas receitas em minha opinião, não valem para todos e nunca funcionarão. Se relacionar, não tem fórmulas prontas.
Observei nas minhas experiências e na dos outros (como boa observadora e critica) que muitas vezes criamos formas de ativamente nos arruinarmos e arruinar nossas relações, seja consciente ou inconscientemente. Me questionei: Seria a minha ideia de liberdade na verdade uma fuga (?)
Acontece que, antes de se relacionar com o outro, o ser humano precisa desenvolver certas habilidades que garantam que ele possa, em primeiro lugar, se relacionar bem consigo mesmo. Mas acontece que a ideia da frase preciso me relacionar bem consigo mesmo e a nossa busca incessante por amor-próprio pode nos afastar de relacionamentos saudáveis. Essa é a realidade que acaba ficando no inconsciente e que por vezes não a vislumbramos. Não vislumbramos nossa própria forma de auto sabotagem no amor.
Amar exige risco. Risco de ser ferido. Risco esse que pode ser exemplificado: Alguém que ao se jogar em uma piscina, descobre que era rasa demais e se machuca arduamente. O risco que pagamos muitas vezes é encontrar relações e pessoas rasas…mas sem a entrega não poderíamos descobrir, não é?
Amar exige vulnerabilidade. E uma pessoa obsessiva pela melhor versão de si mesmo, pode por diversas vezes não estar aberta ao imprevisível e estar aberto ao imprevisível é estar vulnerável. Ser uma pessoa vulnerável é considerado por muitos como algo negativo, mas não é bem assim. Definitivamente, ser vulneravel é ser muito corajoso.
Me diz: quando foi a última vez que você se permitiu ser vulnerável em um relacionamento? Outra pergunta deve ser feita: Além de estar aberto e vulnerável, precisamos que o outro também esteja. E muitas vezes, o outro não está. E temos controle disso? Não. Não temos o controle de nada além de nós mesmos e do que sentimos.
Ana suy psicanalista e autora do livro gente mira no amor e acerta na solidão, desmitifica o que pensamos sobre relações e o assunto mais levantado e comentado em nossas vidas: O amor.
Ana diz que a gente aprende a se amar sendo amado. Então é muito complicado quando começam os discursos sobre amor-próprio, como se bastasse a pessoa decidir que gosta de si mesmo para o sentimento tomar conta. “Essa história começa numa geração anterior, é primitiva a forma como ele vem”, explica.
A autora de a gente mira no amor e acerta na solidão, diz que “Essa exigência do autoamor é uma cobrança injusta com a gente mesmo, pois somos, na verdade, seres em constante transformação, que mudam, que deixam de gostar de algo, que passam a gostar de outra coisa, que lidam com faltas… Isso sem falar que, enquanto seres sociais, somos constantemente afetados por terceiros.”
“Gostar de nós mesmos é importante, o problema é quando isso vira uma busca que nos impede, inclusive, de nos fazer vulneráveis perante o outro.” E lá vem o nosso autocontrole, tentando controlar o que sentimos e o que o outro sente.
Lembro que em uma sessão de terapia algum tempo atrás, ao adentrar nesse assunto “amoroso” o que muito pouco era comentado nas minhas sessões, uma Psicóloga acabou por me indicar o Filme Noiva em Fuga, uma comédia romântica da lista de clássicos românticos da década, em que a personagem da Julia Roberts, acabara recebendo esse apelido porque ela já havia deixado três noivos esperando no altar.
No momento aquilo foi muito cômico, pois não entendia o porém da indicação. Ao terminar o filme notei críticas relevantes em relação ao enredo. A jornada da “Noiva em Fuga” é interessante do ponto de vista da psicologia, pois no decorrer da história ela se dá conta que precisa conhecer melhor sobre si antes de relacionar-se. Trata-se daquele antigo clichê, que merece ser revisitado. Para amar o outro, ela precisa antes descobrir quem é, o que gosta, o que quer. Conhecer suas fronteiras, limites e se tornar-se inteira.
Mas, em contrapartida, me relacionar afetivamente foi a maior oportunidade que tive de obter um tipo de amadurecimento e autoconhecimento que demoraria anos para obter. Se relacionar com o outro, não diz respeito sobre o outro na maioria das vezes, e sim sobre nós mesmos. Somos colocados em frente as nossas imperfeições, toxicidades, inseguranças e medos. E se não tivesse me jogado para isso, não teria aprendido.
O personagem Tom (500 dias com ela), precisou conviver com a raiz de suas projeções e expectativas elevadas em sua relação. E tem como não criarmos expectativas? Palpite: Não.
Como já nos ensinava chitãozinho e xororó…
E nessa loucura, de dizer que não te quero, vou negando as aparências disfarçando as evidências […] Mas pra que viver fingindo? Se eu não posso enganar meu coração?
O ser humano cria expectativa o tempo todo e isso é absolutamente comum e incontrolável. Como dizia a escritora Júlia Faria, mais conhecida como Jout Jout: “É isso que acontece com as expectativas quando cê fala que não quer criá-las. Elas já estão lá, pegando fogo”. Não dá para viver sem expectativas. Simultaneamente, são elas que dão sentido à nossa vida. Jout jout ainda dizia: Que tal ao invés de dizer que não queremos criar expectativas, afirmarmos que já criamos expectativa sim e afundar na expectativa? “Vou sofrer, vou chorar, e depois vai passar.”
“Tentar podar os sentimentos não impede que o sentimos, só faz com que sentimos ele de forma parcelada.” (Jout Jout)
A personagem de Julia Roberts Maggie, se auto sabotava e precisou se conhecer mais para não cair na confluência, que na gestalterapia é explicada como a dificuldade do sujeito diferenciar o que é seu do que é do outro, perdendo o limite de quem é quem e de suas fronteiras existenciais. Por analogia, mas até que conseguimos lidar com os nossos problemas afetivos, em contrapartida como seres voluvéis, não podemos nos fechar em nossas inseguranças e mazelas, nos aprisionando e deixando de sentir a vida e as paixões com um escudo gigante.
É como ouvi uma vez: “a gente só se cura, vivendo”.
Em suma, temos com isso lições para pregar na geladeira e tatuar na mente: não há como descobrir o que precisa ser descoberto sem viver e experienciar e não há como amar sem ser tornar vulnerável. Dessa forma é melhor simplificar a vida, simplificar o amor. Em outras palavras, Arnaldo Jabor no ensina a lição: “Na vida e no amor, não temos garantias, portanto não procure por elas, viva o que tem que ser vivido sem medos. O medo é um dos piores inimigos do amor e da felicidade…“