Na obra “os irmãos Karamazov”, publicada em 1880 por Dostoiévski, Jesus retorna no século XVI para ser preso e questionado por um cardeal em Sevilha, Espanha – homem este que deveria certamente segui-lo e adorá-lo -, no conto “O grande Inquisidor”. Não se engane; No conto, o Inquisidor não tem dúvidas sobre a identidade do prisioneiro e interroga-o sobre seu passado bíblico, acusando-o de fracassar em relação a juntar uma grande massa de discípulos quando recusou as ofertas do anjo caído no deserto.
Leandro Karnal destaca uma passagem deste conto em uma coluna intitulada “Pães e Livros” do jornal O Estado de S. Paulo: “O cardeal espanhol é um conhecedor da natureza humana. Alega que o Cristo ignora o homem comum. Se Ele tivesse transformado as pedras em pães, por exemplo, todos os degradados filhos de Eva teriam entendido, claramente, que havia um milagre e um prêmio. As massas viriam, famintas, até o Messias. Ao dizer o transcendente “não só de pão vive o homem”, Jesus dá uma dimensão superior para a vida. Segundo o Cardeal, o Messias formou uma religião para poucos”.
No budismo, são chamados de chakras inferiores aqueles que são primitivos, que são primários e que não são rentes com a ideia de sabedoria intrapessoal e espiritual. Freud chamaria esses impulsos de ID. Destaca-se no conto de Dostoiévski que o pão é mais sedutor do que uma ascensão espiritual. O pão é carnal, imediatista, mata a fome e então passa. A fome vem, e passa. A urgência sexual vem e passa, o impulso violento vem e passa, o apego ao material surge e se acaba assim que o suprimos. Eles não exatamente exercer nenhum tipo de crescimento útil e nem mesmo coloca em exercício a dádiva humana da razão. Ainda assim, estes impulsos são os mais desejados pelo homem comum. O homem que não despertou para si e para o mundo, que permanece preso dentro dos chakras inferiores.
O pão é o que o homem comum mais deseja, porém não é só dele que devemos viver. A saída da obsessão pelo pão, isto é, para as necessidades básicas que acompanham nossa estrutura é justamente o pensamento, a entrega à novas ideias.
A reflexão nunca atraiu o brasileiro. É pensado por entre as ruas: “Pensar é para doutores, escritores, jornalistas, não para mim”. Ao transportar a capacidade de pensar para pessoas com maiores formações, anula-se a tentativa de fazê-lo. Isolamento negativo de consciência. Dentro da história bíblica, o isolamento positivo era dado através do deserto, o lugar que afastava da distração cotidiana e aproximava de Deus através de reflexões e privamentos. Santo Antão viu o mundo como é enquanto caminhava pela areia quente; conheceu-se mais, enxergou suas fraquezas e aprendeu coisas que não seria capaz se apenas vivesse de “pão”, isto é, com estímulos básicos saciados confortavelmente.
Para Sérgio Buarque de Holanda, sociólogo, o brasileiro sempre foi um ser proritariamente emocional, levado pelo senso-comum e por seus desejos. Com a modernidade, confundiu, inclusive, o conceito de direito e desejo. Se tenho desejo, tenho direito. O povo transformou política em futebol; Time favorito, candidato favorito. Não importa os meios, as atitudes, as gafes, ou até os crimes: a adoração é sempre presente.
Suprir os desejos é mais fácil. Dá prazer, me coloca em um conforto primitivo. Me supre. Pensar é desafiar-se, estressa, emociona, desconforta e nos difere dos outros mamíferos. Alguns, até o fim da vida, carregam uma história repleta de bebidas, mulheres, drogas e consumos. Viveu então por completo, sim, o lado mais animal que conhecemos. Não se preocupou em exercer o que nos difere. Deixou apenas uma biografia rasa e, caso não tenha se cuidado bem, de poucas páginas. Cautela! Nem oito nem oitenta. A vida com profundidade é mestra em dosagem.
O que é fácil e primário supre o nosso lado mais básico e traz sensações repetidas. O lado da razão e da reflexão nos permite experienciar algo mais próximo da potência de um ser humano completo.
Autor: G. Pontes
Site: meprovocando.com
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