“Quem comete uma injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado.” (Platão)
A afirmação histórica dos direitos humanos apresenta como um de seus pilares o chamado Princípio do Juiz Natural, cujas determinações garantem o exercício da justiça civil por um tribunal competente, estabelecido mediante aos ditames de uma jurisdição definida legalmente. Sob essa perspectiva, os ordenamentos jurídicos contemporâneos compreendem, em sua maioria, a imprescindibilidade de um juiz revestido de autoridade constitucional na aplicação das normas legais. Portanto, o ideal de fazer justiça com as próprias mãos não encontra amparo nos códigos de direito positivo da atualidade. Todavia, reivindicar para si mesmo a concretização dos valores justos é sempre ilegítimo no ponto de vista da moralidade?
Numa primeira análise, é premente a realização de uma abordagem sintética da noção do que vem a ser o campo do justo. Segundo o pensador grego Aristóteles, a justiça, em sua forma geral, consiste numa virtude indispensável para a conquista da felicidade. Nesse sentido, o filósofo supracitado compreende a justiça enquanto uma disposição ou estado de caráter, cuja dimensão valorativa pode e deve ser aplicada no cotidiano e nas ações individuais. Entretanto, na concepção do autor em questão, existe uma modalidade específica de justiça que exige a presença de uma autoridade pública, trata-se do justo referente à distribuição de bens, valores e encargos na sociedade e, também, aos assuntos concernentes às punições e penalidades.
Em vista disso, pode-se afirmar que uma modalidade do justo exige, de certa forma, o ato de fazer justiça com as próprias mãos, sobretudo, na maneira como se trata o próximo, no exercício da honestidade nos negócios e na preservação da fidelidade aos deveres. Todavia, reivindicar para si a competência de decidir a punição pelos crimes cometidos por outrem tipifica um abuso da ordem moral e uma subversão ao princípio da legalidade, pois, além de representar uma obstinação e um orgulho tétrico, tal ação confunde justiça com vingança e, sem dúvida, a observação do que é certo não provém da ira e da violência. Obviamente, não se trata de condenar a legítima defesa proporcional e, tampouco, desestimular o propósito de impedir o mal e fazer o bem, mas tão somente de reiterar a necessidade de um juiz natural, capaz de julgar conforme os valores da lei e sem idealizações a aplicação da penalidade devida a um crime cometido por um indivíduo ou grupo.
Diante do exposto, é importante frisar um dos pensamentos do filósofo estoico Marco Aurélio, o qual afirmou: “A melhor forma de se defender de pessoas hostis é não se tonar semelhante a elas” . Nesse sentido, a justiça não apresenta como forma motriz a violência e a força cega, mas envolve uma ordem axiológica de dar a cada um o que lhe é devido mediante aos princípios da lei, da dignidade da natureza humana, do bem comum, da razoabilidade e da proporcionalidade. Enfim, o justo não se confunde com vingança, pois seus preceitos primeiros residem no mandamento de não responder ao mal com o mal.
“Pagar o mal com o mal é brutal; pagar o bem com o mal é demoníaco; pagar o mal com o bem é o verdadeiro amor, o amor de Cristo” (Thomas Watson, pregador puritano).