Limitação voluntária: irreflexão e mediocridade

Limitação voluntária: irreflexão e mediocridade

“Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer”, eis uma das célebres frases do pensador grego Aristóteles.  Sob essa mesma perspectiva, para a filosofia clássica, a realização do homem se dá pelo aperfeiçoamento da racionalidade, da postura contemplativa, da busca constante pela verdade e da prática reiterada das virtudes. Diante disso, pode-se afirmar que o conhecimento, devidamente atrelado aos valores do sumo bem, apresenta um potencial emancipatório, ou seja, representa a potencialidade da fruição da liberdade plena. Não obstante, é comum a prática da limitação voluntária, que se dá quando os indivíduos, dominados pela angústia, pelo medo ou pelo individualismo exacerbado, abdicam da faculdade da razão, dos princípios morais sólidos e da verdade em prol de futilidades, vaidades ou prazeres corrompidos. 

Numa primeira análise, é importante frisar que a reflexão, a moral e a liberdade são inseparáveis. Sob esse ponto de vista, não há pleno exercício da liberdade sem uma postura reflexiva, isto é, sem antes um questionamento profundo sobre as possibilidades de escolha, sobre a consciência da distinção entre o certo e o errado e, principalmente, sobre a convicção de que cada um é responsável pelas próprias ações. Portanto, a faculdade da razão é necessária para uma vida de autonomia. Além disso, o pressuposto da moralidade, segundo o filósofo alemão Immanuel Kant, reside na autonomia da vontade, ou seja, na capacidade de agir voluntariamente e na ponderação sobre o que deve ser feito. Todavia, muitos homens abdicam dessa tríade (conhecimento, liberdade e valores) e vivem de acordo com julgamentos equivocados, advindos da irreflexão, da opinião majoritária e da escravidão dos próprios prazeres, ignorando o verdadeiro bem que há na coragem de pensar e de agir virtuosamente, ou seja, de seguir os valores morais.

Nesse sentido, a limitação voluntária, chamada pelo teólogo anglicano C.S. Lewis de “abolição do homem”, é um dos grandes males da contemporaneidade, pois, numa conjuntura de individualismo constante, primazia das vontades particulares, egoísmo, impessoalidade, fluidez e superficialidade, é fácil renunciar ao bem e à postura reflexiva em prol da aceitação da maioria, do puro interesse individual e das ideias socialmente tidas como convenientes. Destarte, é cômodo viver de forma irreflexiva, pois o pensar e o agir em conformidade com os julgamentos morais sólidos e genuínos exigem profundidade, fortaleza e disposição de superar obstáculos. Entretanto, se é pelo bem e pela faculdade da razão que o homem se realiza, superar tais adversidades é uma condição necessária  para a felicidade. Nas palavras da pensadora Hannah Arendt: “Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos”.

Em virtude do que foi exposto, embora possa parecer fácil ceder à limitação voluntária, não há esperança verdadeira nela. Sendo assim, é preciso determinação para transcender a abolição do homem e abraçar a vida virtuosa, a postura contemplativa e a prática efetiva do bem. Em vista disso, por maior que seja a dificuldade, sujeitar-se à irreflexão simplesmente pela conveniência, facilidade e interesse próprio, será sempre uma decisão medíocre. 

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