“Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.” (George Orwell) “Acima de todas as liberdades, dê-me a de saber, de me expressar, de debater com autonomia, de acordo com minha consciência.” (John Milton) “Se todos os homens menos um, partilhassem a mesma opinião e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a Humanidade não teria mais legitimidade em silenciar esta única pessoa, do que ela se poder tivesse, em silenciar a humanidade.” (John Stuart Mill)
A conjuntura brasileira encontra-se marcada por uma profunda crise política, cujos desdobramentos acabam por afetar a própria concepção da importância axiológica e principiológica dos direitos e garantias individuais. Não obstante a importância que o ordenamento jurídico atribui ao ideal do Estado democrático de Direito, as violações aos direitos fundamentais estão se tornando cada vez mais notáveis e funestas. Uma das mais marcantes restrições ao preceito da liberdade civil consistiu no estabelecimento de um inquérito do STF de investigação e apuração das chamadas “fake News”, realizando para tal buscas e apreensões em diversos domicílios. Diante desse cenário caracterizado por contradições, se faz necessário resgatar a essência da liberdade, especialmente da tão aclamada liberdade de expressão.
Certamente, foi o filósofo John Stuart Mill (1806-1873) que exerceu uma defesa profunda e categórica da liberdade de expressão, enumerando e explicando motivos e justificativas para um comprometimento sério com o princípio de que os indivíduos são livres para comunicarem seus ideais, críticas, opiniões e valores, mesmo que equivocados. Mill parte de uma cosmovisão pautada na junção de dois pensamentos: liberalismo e utilitarismo. O primeiro basicamente é expresso em sua célebre frase: “Sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”. O segundo é axiomático em colocar o hedonismo qualitativo como um guia para as ações humanas, ou seja, os atos individuais são motivados pela busca da felicidade máxima, compreendida enquanto a escolha do prazer cuja qualidade seja superior a longo prazo. “Mais vale um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito”, dizia Stuart Mill.
O que será mais determinante para as ponderações aqui estabelecidas encontra-se em sua concepção acerca do liberalismo. A partir de uma cosmovisão profundamente liberal, Mill defende uma liberdade de expressão quase que total e incondicional. Mas afinal, o que justifica essa defesa axiomática da livre expressão? Em sua obra, o autor cita três motivos. São eles: falibilidade, parcela de verdade e o dogma. Quanto a falibilidade, o filósofo dizia que todas nossas opiniões, por mais fundamentadas que fossem, não estão imunes ao erro. “Nunca podemos ter certeza de que seja falsa a opinião a qual tentamos sufocar. E se tivéssemos certeza, sufocá-la seria ainda assim, um mal”. Portanto, devemos aceitar a divulgação das opiniões contrárias aos nossos próprios pensamentos. Trata-se da “fecundidade do antagonismo”, defendida por Norberto Bobbio. “Se toda a humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas um indivíduo fosse de opinião contrária, a humanidade não teria maior direito de silenciar essa pessoa do que esta o teria, se pudesse, de silenciar a humanidade.
A “parcela de verdade” é um complemento da falibilidade. Mesmo que estejamos certos em grande parte de nossos argumentos, isso não os escusa de pequenas “fraturas”, debilidades e falhas. Sendo assim, ouvir as opiniões contrárias nos permite uma correção dessas pequenas “lacunas” e “fraturas” de nossas premissas e justificativas, tornando-as melhores e mais próximas de uma fundamentação sólida. Outro grande argumento levantado pelo autor é o “dogma”, e consiste basicamente na ideia de que a expressão de opiniões esdrúxulas e certamente equivocadas deve ser lícita e não suprimida coercitivamente, pois fomenta a necessidade de um comprometimento maior com a explanação e fundamentação da ideia tida como verdade.
Defender uma cosmovisão ou ideia que tomamos como verdade em oposição aos discursos contrários nos faz lembrar dos motivos pelos quais realmente acreditamos nela. Enfim, temos que deixar as pessoas se manifestarem para que nossas opiniões não se tornem meros dogmas que dispensam maiores explicações. Até mesmo o cristianismo, aponta Stuart Mill, perdeu forças de forma notável devido a uma escassez de justificação teórica, uma vez que seus fiéis não procuravam sustentar filosoficamente a fé em Cristo, ou seja, abandonaram a atividade apologética. Não podemos nos esquecer do porquê acreditamos no que acreditamos.
John Stuart Mill também irá dirigir duras críticas às pretensões do poder público de definir acerca de questões de moralidade e de conteúdo intelectual bem como de tentar formalizar e promover uma “opinião majoritária”, uma vez que tais práticas seriam prerrogativas para legitimidade de uma “tirania da maioria”, cuja essência consiste na supressão da individualidade. Claro que o autor não será radical a ponto de afirmar a liberdade absoluta, mas irá defender muita cautela e prudência na limitação dos direitos civis. Portanto, o Estado não é promotor de uma verdade e não deve fazer uso do monopólio da força para coibir opiniões, nem mesmo as consideradas estúpidas ou falsas. Como diria Schopenhauer: “Mais disparatado ainda é o teorema de que o Estado é condição da liberdade em sentido moral e, com isso, da moralidade. Em verdade, a liberdade se encontra além do fenômeno do Estado, para não dizer além das instituições humanas.”
Por mais que discordemos do filósofo liberal em questão, não devemos ignorar suas críticas e ponderações sobre a liberdade de expressão e os perigos do intervencionismo estatal. Portanto, muita atenção em relação aos abusos do Estado e muita cautela quanto aos desmandos na supressão dos direitos civis. Para finalizar, uma pequena reflexão de Stuart Mill:
Um Estado que torne os homens anões, a fim de que possam ser nas suas mãos instrumentos mais dóceis de seus projetos (mesmo que para fins benéficos) descobrirá que não é possível fazer grandes coisas com homens pequenos, e que a perfeição da máquina a que sacrificou tudo afinal não lhe servirá de nada, por faltar-lhe o poder vital que preferiu pôr de lado para tornar mais suave o funcionamento da máquina (…) No final de contas, o valor de um Estado é o valor dos indivíduos que o compõem. (John Stuart Mill, em Sobre a Liberdade).
Bacharel em Direito e Licenciado em História pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista PIBIC CNPq (2018-2020). Membro do grupo de pesquisa "Religião, Memória e Cultura" da Universidade Mackenzie. Fui Pesquisador no programa institucional de Iniciação Científica PIVIC (2020-2021). Autor e organizador do livro "Cosmovisão Cristã aplicada" (Editora CRV). Mestrando em Direito Político e Econômico. Graduando em Filosofia pela USP.