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Indiferença: um vício antidemocrático

Em sua obra “Da democracia na América”, o escritor francês Alexis de Tocqueville apresenta o individualismo exacerbado como um dos maiores perigos para a consolidação dos valores democráticos, pois a preocupação exagerada dos cidadãos com assuntos particulares implica o enfraquecimento da esfera pública e, por conseguinte, prejudica o pleno desenvolvimento dos direitos políticos, essenciais para a própria cidadania. Por certo, a sociedade contemporânea é caracterizada pela prevalência exacerbada da esfera privada, fator responsável pela crescente mercantilização das relações humanas, pela impessoalização e pela indiferença dos indivíduos perante às mazelas que assolam a vida social. Não obstante, é possível encontrar esperança numa democracia realmente emancipatória e comprometida com as virtudes cívicas. 

Num primeiro momento, é importante ressaltar a indiferença como um empecilho para o progresso e para a expansão da esfera pública, visto que o individualismo acentuado guarda uma conexão íntima com a carência de preocupação com assuntos que não estejam diretamente relacionados aos interesses privados. Desse modo, há uma  afinidade clara entre os vícios da indiferença e do individualismo, os quais são tidos como nefastos em razão da oposição direta à plena realização da natureza humana, cujas dimensões básicas são marcadas pela sociabilidade e pela racionalidade, conforme os escritos de Aristóteles e Tomás de Aquino. Ademais, ressalta a pensadora da fenomenologia Edith Stein: “O indivíduo humano isolado é uma abstração. A sua existência é a existência em um mundo, sua vida é vida em comum. E estas não são relações externas, que são adicionadas a um ser que existe em si e para si, mas, a sua inclusão em um todo maior pertence à própria estrutura do homem”. 

Em vista disso, a indiferença, isto é, a ausência de preocupação com o bem comum e o descompromisso com a solução das mazelas sociais, tipifica um entrave para a efetivação dos princípios e elementos do Estado democrático de Direito, cuja orientação axiológico-normativa é fundamentada na cidadania, ou seja, no exercício dos direitos mediante ao cumprimento dos deveres e das virtudes cívicas, as quais representam práticas contrárias ao individualismo e ao desinteresse com a esfera pública. Apesar da crescente impessoalização da sociedade capitalista, o resgate das bases do comunitarismo e do espírito comunal são capazes de favorecer o aperfeiçoamento de uma democracia emancipatória, já que apenas a valorização da intersubjetividade dialógica pode servir como instrumento para o combate ao vício da indiferença. 

Em virtude do que foi apresentado, percebe-se que a impessoalização e a indiferença constituem tendências de uma modernidade essencialmente mercadológica, mas não há razão para um fatalismo, pois é possível a retomada dos traços essenciais de uma democracia comprometida com o bem comum, desde que os indivíduos se conscientizem da centralidade da esfera pública, da sociabilidade e da cidadania como valores imprescindíveis para a justiça e para a dignidade da pessoa humana. 

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