O liberalismo e toda a estrutura desenvolvida com foco em uma metodologia econômica específica que pudesse estabelecer uma importante configuração acerca da estabilidade e do equilíbrio financeiro constante, e que proporcionasse um período de ascensão econômica planejada por um capitalismo regulado pelo Estado, tem apresentado particularidades singulares com relação a um aparato de problemas que, em um espaço mínimo de tempo, levou o sistema a instabilidades que deixaram em evidência concepções conflituosas sobre uma livre relação entre sociedade, mercado e economia.
Tais conflitos e instabilidades têm sido determinante para a defesa de uma maior regulação do sistema como um todo, à revelia daqueles Estados que defendem um Estado mínimo, fazendo da interferência estatal uma via legitimadora institucionalizada com claros procedimentos e parâmetros para controle do sistema, convertendo o Estado, dentro desse conceito, em uma “mão visível” de regimento para corroborar a saúde econômica das nações e, indiretamente, o conceito de liberdade das sociedades. As normas desenvolvidas para estabilizar a eficácia do sistema, contudo, passaram a representar um problema para a via democrática, uma vez que a influência exercida pelo Estado, com as ações elaboradas em prol de uma assistência à sociedade, passou a significar de uma forma dissimulada, um modelo de coação e influência para com o indivíduo, tornando essa influência fator considerável na legitimidade do processo democrático.
As crises sequenciais e os déficits existentes no arcabouço do sistema – como a crise que ocorre em nível nacional agora – passam a configurar, nesse contexto, uma dissonante no que diz respeito à estabilidade, tanto econômica quanto em relação às liberdades individuais dos cidadãos, fazendo com que os regimes capitalistas tornem-se densamente suscetíveis às políticas e influências determinadas e organizadas pelo governo, o que, conforme o filósofo alemão Jürgen Habermas, configura-se em um sério problema democrático.
O conceito de autonomia dos cidadãos, no que diz respeito aos processos e a não interferência do Estado, e a ideia de liberdade dos indivíduos, que dentre outras significativas questões são consideravelmente importantes para dar fundamentação à legitimidade democrática do processo, tornaram-se, na visão habermasiana, um intenso embate, uma vez que, com o controle estatal, os princípios regulamentadores da via democrática – e inclusive a plena autonomia dos cidadãos – podem apresentar problemas por conta das ações indiretamente influenciáveis por parte do Estado. O discurso de um Estado mínimo, prevalece, mas a prática é inversamente proporcional aos fatos.
O regime democrático e sua característica dorsal, com toda sua ideia de liberdade, a qual as decisões políticas emergem substancialmente da concepção direta dos cidadãos, também premissa inegociável de todo o sistema, a partir dessa visão, pode perder seu caráter legítimo, uma vez que a validade do processo apresenta-se questionável em consequência das medidas aplicadas pelo Estado, o que significa uma notável ruptura na estrutura conceitual do sistema democrático.
Tais incongruências são explicitadas por Habermas, que também mostra os problemas e os déficits existentes nos modelos liberal e republicano, processos que atualmente estão em conflito dentro do sistema democrático. No cerne destes processos, o filósofo explora a importância e a eficácia da validade do direito, explanando as condições do poder em complexas sociedades, e ainda procura caracterizar as implicações destes referidos modelos, apresentando as particularidades e concepções existentes entre eles.
Em Três Modelos Normativos da Democracia, Habermas ressalta as discussões e os embates existentes entre os modelos que ele considera como “polêmicos, quando contrapostos, sob o ponto de vista dos conceitos de ‘cidadão do Estado’ e ‘direito’, e segundo a natureza do processo político de formação da vontade”. A partir desse preâmbulo, ele mostra que existe uma lógica estratégica no modelo liberal e que também há o pressuposto de uma busca estratégica para a chegada ao poder, explicitando que a construção do processo político se dá inteiramente por competição.

A questão principal que vem a ser condescendente com essa concepção liberal de democracia refere-se ao fato de que o aparelho do Estado deve estar voltado ao interesse da sociedade. Isso significa que o sistema político, antes de tudo, deve concentrar esforços no intuito de prover esses interesses, fazendo dessa determinação uma designação do sistema liberal.
Tal configuração a respeito do concernido ao Estado, condicionando-o à execução de determinados objetivos profícuos no que diz respeito às ações em detrimento dos cidadãos, tende a ressaltar a visão da concepção liberal, estabelecendo uma aproximação ampla da sociedade com a política.
Dentro desse modelo, a ideia de lei está muito vinculada aos direitos individuais dos cidadãos e são esses direitos – que de acordo com o filósofo alemão devem ser entendidos como liberdades negativas (ou direitos subjetivos) – que permitem que o cidadão tenha direitos mínimos tanto em relação aos outros indivíduos que fazem parte da esfera social como em relação ao Estado. Ancorados pelas “liberdades negativas”, os cidadãos exigem e reclamam, como pessoas privadas, um conjunto de direitos que caracterizam a posição de uns em relações aos outros.
Ainda no que tange aos cidadãos, como sempre estarão calcadas nas liberdades negativas, as principais vantagens do modelo liberal são os direitos constitucionais (individuais), que se baseiam na lei. Determinada concepção demonstra uma grande preocupação com os interesses particulares e mostra que o indivíduo antecede qualquer tipo de associação, ou seja, há uma “anterioridade” do cidadão em relação à comunidade.
Dentro desse processo, isto é, por meio do direito individual, o cidadão torna-se “independente” das intromissões do Estado, sendo a este último reservada a responsabilidade de proporcionar a liberdade individual necessária, deixando o cidadão exposto a um mínimo de coações externas. Esse modelo, segundo o pensador alemão, mostra que existe o pressuposto de uma separação, uma diferença entre sociedade e Estado, sendo este último o defensor de uma sociedade centralizada economicamente. Ou seja, cabe ao Estado resguardar o sistema econômico da sociedade, e a diferença entre o primeiro e o segundo deve ser sobrepujada pelo processo democrático.
A lacuna dessa forma política é que o modelo liberal possui déficits estruturais importantes, apresentando deficiências significativas, como, por exemplo, uma liberdade excessiva e um individualismo forte, o que, segundo Habermas, podem ser sensivelmente percebidos nas relações com o mercado.

Os problemas relacionados aos déficits têm como base a crítica ao modelo feita por Habermas, que por sua vez, organiza em sua obra uma complexa análise conjuntural por meio da qual o Estado, como agente controlador, por conta de sua força e influência na totalidade das ações e do sistema liberal, e do domínio das leis e do direito, pode se tornar um coeficiente complicador da concorrência legítima, adotando, para isso, uma legitimidade de normas e princípios que pela mesma razão – das leis e do direito – são compreendidas pelo próprio Estado e estão inseridas no círculo econômico como primordiais.
Dessa forma, conforme o pensamento habermasiano, crises que desestruturam a dinâmica do processo podem ser uma forma de legitimação que permite ao Governo agir de forma inesperada, adotando medidas que signifiquem a substituição de uma concorrência livre. É a partir deste ponto de vista que nascem movimentos negativos no sistema, e é aí que está uma incoerência no método ou na maneira que o modelo é adotado na política contemporânea, uma vez que o modelo permite um certo controle Estatal nos procedimentos do mercado.
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