FORMAÇÃO DE CARÁTER E CONDIÇÃO EMOCIONAL PELA ORIGEM FAMILIAR

FORMAÇÃO DE CARÁTER E CONDIÇÃO EMOCIONAL PELA ORIGEM FAMILIAR

FORMAÇÃO DE CARÁTER E CONDIÇÃO EMOCIONAL PELA ORIGEM FAMILIAR

 É uma questão que exigiria maior refinamento textual, por ser profundamente complexa e constituída por diversos elementos. Tentarei ser sucinto e claro, da melhor forma possível. No mínimo, colocando elementos suficientes a serem pesquisados por quem queira se aprofundar na questão.

Sobre os aspectos potencializadores de uma má formação na individualidade das pessoas, pela ausência de definições nos sujeitos internos, que deveriam ser provocados por uma figura mais forte, no sentido de independência, é que muitas famílias produzem pessoas danosas a si e à sociedade, no que concerne a comportamentos desarmônicos aos que os parâmetros postos exigem.

Dolto e D. W. Winnicott sugerem em suas clínicas elementos suficientes para tal questão. Winnicott afirma que a mãe suficientemente boa é aquela que dá todos os parâmetros necessários ao infans para que ele possa se formar individualmente, sem que possa ser potencializado a ser desarmonioso com o meio em que for existir. O primeiro meio, que é o familiar, junto à mãe suficientemente boa, é a base para o seguir por si.

Dolto nos afirma que o infans somente se define quando começa a perceber que é algo distinto ao seio materno e que consegue se tornar funcional sem se valer da mãe. O infans somente se compreende como pessoa depois de ser separado do seio materno; depois de ter superado a fase oral.

O pai doltoiano é aquele que apresenta o mundo ao infans, o separando do seio da mãe, que representa não a mera amamentação, mas a situação de proteção materna, dando ao infans tudo o que ele deseja e necessita, o fazendo sentir não mais parte da mãe, como até os aproximados seis meses de idade, mas sim, absolutamente dependente dela, por ser protegido em demasia. O pai doltoiano é o responsável pela separação da mãe, tal como pelo afastamento gradativo da mesma, no que se refere a total dependência, em uma excessiva proteção.

D. W. Winnicott

O pai é o ceifador do período oral; da amamentação simbólica, levando o infans a conhecer o mundo por si. O pai é aquele que ensina o infans a conseguir por si o que deseja, dentro das possibilidades, o fazendo se tornar mais independente e consciente das regras que uma figura paterna apresenta de maneira mais direta, formando um sujeito interno na pessoa, que é a divisão simbólica de uma pessoa que representa a capacidade de se sujeitar as regras dos meios que vier a existir. A objetividade que o macho atavicamente possui, faz com que o indivíduo interno da pessoa se desenvolva durante este processo. Este indivíduo interno é a divisão simbólica do “Eu” absoluto, demonstrando as compreensões absolutamente pessoais da pessoa.

O sujeito interno e o indivíduo interno formam uma pessoa com a sua cosmovisão, que é o conjunto de convicções baseados nas experiências e aprendizagens pessoais e únicas.

Sem a figura do pai, a fase narcísica se compromete. A fase narcísica freudiana ou, fase do espelho, em Lacan, mesmo com as suas peculiaridades, representam, em suma, “o autoconhecimento da pessoa em relação a ela, a partir dela mesma”. É quando uma pessoa compreende que é independente; que é capaz de decidir por si o que é, o que quer e o que irá decidir fazer, assumindo todas as consequências. Estes elementos são fundamentais às pessoas, pois as convicções residem no processo mental e estão fora do alcance das normas que o sujeito interno obrigatoriamente segue, pois este se especializa nas ações. Enquanto em convicção, há mundo mental e, em ação, mundo sensível. Quando a pessoa aprende esta divisão e consegue assumir os seus atos baseados em suas convicções, ela se torna uma pessoa pronta e, potencialmente, capaz de se encaixar em diversos meios sociais que venha a se adequar pelas convicções e necessidades, tal como evitar os que não se adéqua e, da mesma forma, combater os que não são compreendidos como seguros a ela.

O pai, no entanto, é bastante simbólico hodiernamente, pelas forçadas alterações dentro de parâmetros sociais, de maneira bastante ampla no Globo. O pai ceifador, apresentador da fase narcísica e a mãe suficientemente boa, podem residir em uma única pessoa ou em pessoas do mesmo sexo, independente de orientação sexual, mesmo prevalecendo, ainda, os elementos atávicos a nossa e a grande maioria das espécies de reprodução sexuada.

No entanto, o aspecto atávico deve ser percebido para que a dinâmica comum, desenvolvida em nossa evolução, não seja tratada como desnecessária e inútil. Não! Ela nos é fundamental. A espécie humana tem um longo histórico de pais e mães como sustentáculos familiares e, é este sustentáculo que define, potencialmente, uma pessoa de características condizentes com o meio que existe, sendo considerada, em termos comuns, como sendo boa.

Podemos perceber, concomitantemente, que o pai e a mãe são simbólicos até mesmo historicamente, mesmo que a dinâmica de protetora e amamentadora e, separador e treinador para independência, sempre estejam presentes como parâmetros. Devemos perceber que as “famílias pai e mãe” eram comumente constituídas, mas a suas dinâmicas eram bastante variadas. Por isso, o simbolismo existia, mas distinto ao que temos no mundo globalizado atual, por seguirem parâmetros mais próximos atualmente, que são distintos a parâmetros tribais de civilizações conhecidas, pois cada uma possuía as suas peculiaridades, mesmo comumente dentro da família atávica (pai e mãe).

FORMAÇÃO DE CARÁTER E CONDIÇÃO EMOCIONAL PELA ORIGEM FAMILIAR (3)

Os filhos que tinham as suas vidas controladas pela mãe, enquanto o pai saia para guerrear, por longos anos, eram formados como boas pessoas. A mãe fazia as vezes do pai, ensinando coisas que o pai deveria ensinar para a sobrevivência. Os avôs, tios, irmãos mais velhos, anciãos e tantos outros, demonstravam como se tornar capaz por si, no caso de um menino, em muitas situações e, no caso de meninas, as fazia perceber a sua posição na sociedade, seja de forma aceitável ou não, dentro dos parâmetros modernos. Mulheres que em uso do atávico pulso de sobrevivência, assumiram o espírito do caçador-guerreiro e se tornaram exemplos masculinos, mesmo sendo mulheres, assumindo, então, a função do pai tradicional, deram os elementos necessários à formação da pessoa, sem a presença física do pai. Percebamos que a presença comportamental do pai é o que determina a condição de boa formação.

Atualmente temos famílias em que existe apenas o pai ou apenas a mãe, criando e formando os infans como adultos saudáveis física e emocionalmente, no que se refere a um considerado bom caráter, tal como famílias com pais e mães que não desempenham os seus papeis como deveriam. Normalmente, porque trabalham e chegam em casa sem que tenham a devida convivência com os filhos. Sobram aos filhos as características de pessoas que convivem, como uma babá, uma avó, uma tia, um avô e afins. Quando muito protegidos, é como se estivessem junto à mãe sem o pai que ensina a ser pessoa independente. Percebamos que mesmo uma família com pai e mãe, se estes não assumirem os seus papeis, transformam o infans em alguém incapaz de se autogerir. Normalmente o excesso de proteção é o grande fator responsável pelos maus resultados.

Se uma mãe cria os seus filhos sozinha, sem um pai e, não assume as funções do pai de forçar a independência, ela criará pessoas que não irão deixar a fase oral doltoiana, pois sempre estarão presos ao seio materno e sentirão capacidade de fazer o que bem entendem, pois a mãe sempre estará por perto.

Se somente o pai cria os filhos e não os dá proteção, os deixando livres para serem absolutamente independentes, sem parâmetros bem definidos de conduta, potencialmente, estes filhos tendem a encontrar caminhos perigosos em suas vidas e, pelo fato do pai ser ausente em proteção, criará revolta nos filhos os fazendo sentir a falta da mãe, os tornando potencialmente rancorosos e potencialmente perigosos a si e ao meio.

O que devemos perceber é que evolutivamente devemos, como Seres humanos, termos proteção e formação de independência. A proteção vai se tornando cada vez menos presente, de acordo com a formação de características de independência. Temos a necessidade de harmonia entre a mãe e o pai, sejam simbólicos ou não.

Tradicionalmente, essa formação de pai e mãe é dita como presente de maneira absoluta. A questão é que existem diversos elementos históricos que demonstram que os pais eram ausentes pelas guerras e caças e, os filhos, principalmente os homens, se ajustavam ao meio, pois sabiam, pela pouca convivência com o pai, que seriam retaliados se não seguissem os parâmetros que eram impostos.

Percebamos que o que move as espécies é a necessidade de autopreservação, a começar pelo próprio indivíduo em perigo. O pai, real ou simbólico, é aquele que apresenta as consequências e faz com que o infans aprenda, por si, a respeitar regras; parâmetros. A mãe suficientemente boa, real ou simbólica, é aquela que dá o devido supedâneo ao infans para que o pai ceifador apresente o mundo, pois ela gera segurança e antes do pai. O pai faz o infans se tornar cada vez mais forte por si, dando a ele, a compreensão de que tem a proteção não somente da mãe, mas do pai e, concomitante a isso, que deve ser capaz de se autogerir, pois é a percepção necessária a quem não está mais preso a outrem. Inclusive, em processo mais avançado, faz com que o infans perceba a necessidade de proteger os seus pais em agradecimento pelo que fizeram e fazem por ele. Quando há esta última percepção, o infans já se compreende como pessoa, mesmo que dependente dos pais. É isso que o faz ser colaborador na sua formação, o tornando o que comumente chamamos de criança obediente. Obediente por aceitar compreendendo que deve, mesmo sem saber os motivos de maneira mais profunda e, sem se sentir ameaçada, por exemplo, de levar uma surra. A obediência infantil não pode estar continuamente ligada ao medo de uma retaliação física, pois isso, cria no infans a expectativa de se tornar fisicamente mais forte para se rebelar, exatamente por acionar os seus elementos atávicos de autopreservação, para a preservação da própria espécie.

Compreendendo que a boa formação de uma pessoa não depende de duas pessoas, tampouco de uma pessoa do sexo masculino e outra do sexo feminino, é que podemos compreender que o que potencializa uma boa formação são dois parâmetros simples: proteção e adestramento à independência. A proteção é gradativamente diminuída de acordo com a aquisição de independência. Isso é o que potencializa uma boa formação de caráter.

Em relação aos casais, é outra questão que implica em parâmetros sociais mais complexos, com datas comemorativas, regras religiosas, científicas, morais, éticas, consuetudinárias e afins, que exigem determinadas condutas e compreensões do infans e que o torna alvo de críticas e potenciais dúvidas, inclusive, sobre si.

A potente reconstrução social em que estamos existindo, não deve implicar em ausência de parâmetros, quando os antigos são quebrados por se demonstrarem inadequados hodiernamente, mas sim, na construção de novos, pois sem parâmetros; sem regras, o sujeito interno não pode ser formado, prejudicando o indivíduo interno de se formar e, fazendo com que as pessoas se tornem fracas de caráter. A fraqueza de caráter, nesse sentido, implica em ausência de parâmetros sólidos e de facilidade de manipulação por outras pessoas mais bem definidas em si. Este é o perigo que as novas gerações correm: de serem manipuladas pela ausência de parâmetros. A liberdade consiste em um conjunto de regras que, mesmo havendo conflitos, estes sejam da mais baixa potencialidade, para que tais conflitos possam ser resolvidos por meio de regras preexistentes. Liberdade não implica em ausência de regras, mas sim, em compreensão, tolerância e capacidade de lidar com os limites necessariamente (im)postos. O que torna a liberdade uma opressão, são parâmetros que ferem a individualidade de maneira mais profunda e, não as regras em si, pois estas, são inevitáveis no mundo sensível, sejam postas ou naturais. Regras são necessárias, exatamente pela individualidade; pela condição única de cada pessoa, no que se refere a cosmovisão.

A quebra de um conjunto de regras não implica em ausência de parâmetros, mas sim, da criação de outros mais apropriados.

Proteção e ensino para a independência é o que potencializa boa formação de caráter. Isso independe de quantidade de pessoas envolvidas, dos sexos e até mesmo de orientação sexual, desde que essas pessoas sigam parâmetros adequados ao meio e ao Todo. No entanto, quando se sai do parâmetro homem e mulher heteros, devemos compreender que não é uma mera quebra de paradigma, mas o enfrentamento a um sistema construído para se harmonizar com o pai e mãe reais e, não simbólicos. Não é uma mera construção social, mas uma construção atávica que gerou os próprios parâmetros sociais, ao longo da História.

Os pais simbólicos podem ser tão eficientes quanto os pais reais, mas quando simbólicos, a missão se torna mais árdua, porém, isso não implica em melhores ou piores chances na formação de um bom caráter no infans. São os parâmetros de proteção e “libertação” (independência) que devem ser obedecidos. Estes são imprescindíveis.

Não é a família tradicional (modelo de família atávica), mas sim, a proteção e formação à independência, dentro de parâmetros científicos, dentro do contexto psicanalítico, que verdadeiramente importam. Qualquer pessoa, seja homem ou mulher, heterossexual, homossexual ou bissexual, pode ser pai e/ou mãe que transforma tão bem quanto um casal tradicional, tal como um casal tradicional pode fracassar na boa formação de caráter do infans, por não assumirem os seus papeis de mãe suficientemente boa e pai separador e formador narcísico, dando, ambos, um imago positivo, que sofrerá as devidas endotomias de acordo com o poder de decisão da pessoa que se formará.

Não é o pai e/ou a mãe, mas a metodologia na formação que irá construir o chamado bom caráter.

O que não podemos negar são os conflitos no sistema construído socialmente, pois quando saímos da tradicional família, mesmo com os parâmetros corretos sendo usados para uma boa formação de caráter, mesmo fazendo as dúvidas que o infans possa vir a ter pela sua condição distinta mais amenas, elas ainda poderão existir, o afetando emocionalmente, mesmo que sem afetação do “bom-caratismo”. Não há como refazermos uma mudança social tão drástica em apenas poucas gerações. Há dores emocionais potenciais, mas que não estão ligadas ao bom ou mau-caratismo da pessoa. Apenas dúvidas e dores emocionais por ser alguém distinto à grande maioria nas suas formações, mesmo que tenha uma formação considerada boa.

A formação de um bom caráter não implica em pais e mães reais, mas na aplicação da proteção e formação de independência e, isso, pode ser transmitido por pais e mães reais ou simbólicos, em duas, mais ou em uma pessoa. Já ao que se refere as condições emocionais, até mesmo traumas, a formação feita fora dos parâmetros de pais e mães reais pode sim, potencializar tal coisa, mas não interferindo, necessariamente, no bom caráter da pessoa. É a consequência natural de quem é formado de maneira distinta ao que o meio, majoritariamente, oferece e até mesmo exige como parâmetro. E, obviamente, não é algo de se espantar, pois é o que biologicamente e evolucionalmente a espécie exige, por extintos construídos por gerações indetermináveis. Um indivíduo de uma espécie quer estar inserido nela e, para tal, necessita se sentir dentro dos parâmetros comuns. Do contrário, o indivíduo se sente distinto em demasia em relação aos demais, podendo o fazer ter condutas mais ostensivas para se fazer percebido, por potencialmente se sentir distanciado dos demais, no que se refere as características mais comuns da espécie.

Por fim, pais e mães reais, neste texto e contexto, para fins de simplificação,  não implica em pais genéticos, mas sim, em pais dentro dos parâmetros reprodutivos atávicos, imanentes à espécie: um macho e uma fêmea.

O bom caráter de uma pessoa pode ser formado independente do pai e da mãe, desde que os elementos que são exigidos deles, sejam exercidos corretamente. No entanto, as possibilidades de traumas; de conflitos emocionais, se tornam muito maiores quando o parâmetro pai e mãe, sejam genéticos ou não, é quebrado, devido ao Ser humano ser uma espécie de grande potência social. O fato de ser uma espécie de grande potência social exige enquadramento no contexto majoritário. Assim, uma pessoa pode possuir bom caráter e, concomitante a isso, possuir questões emocionais mal resolvidas, pelo seu desenquadramento no contexto social em que existe.

A família comumente chamada de tradicional, não implica em boa ou má formação de caráter. Exaustivamente repetindo, apenas o uso dos elementos corretos que a nossa evolução exige, retromencionados, podem formar um “bom caráter”. Já as questões emocionais são comumente presentes, quando se sai do parâmetro família atávica (pai e mãe), pois os fatores intervenientes são diversos e oriundos do próprio meio em que a pessoa existe, variando de caso a caso, principalmente pelos diversos meios existentes e pelo apoio ou não do grupo familiar. A participação familiar para amenizar e até mesmo resolver os conflitos emocionais, independente de como este grupo familiar se caracterize, desde que constituído por Seres humanos que ofereçam os elementos necessários ao infans.

No caso de conflitos emocionais que se potencializam e até mesmo surjam na vida adulta, originários de uma formação não convencional, podem ser resolvidos internamente pela própria pessoa, se ela tiver bases solidas o suficiente para o atendimento dos conflitos específicos e, se não, a Psicanálise é essencialmente o fator faltante para que os elementos de potência resolutiva já existentes em todos nós, se potencializem o suficiente para que a pessoa resolva as suas dores internas por si.

Autor: Carlos Alexandre Costa Leite

 

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