Inventar histórias ao ver fotografias é comum. Seja do que aconteceu antes ou depois da foto. Ccomo escritor, porém, tento arrancar aquilo que vejo, sinto, leio, percebo, para retratar no meu próprio trabalho. foi assim com meu primeiro livro, que sai em agosto. é assim com o que estou escrevendo e sempre será assim, mas, quando vi, por volta do meio-dia, a foto da criança síria, ignorei. estava indo almoçar. forcei-me a deixar pra lá. Entretanto, histórias fortes são assim: martelam o dia todo na cabeça até que você simplesmente não tenha mais força – ou, enfim, tenha humanidade – de não ignorá-las: quem ela é? O que ela fez? O que viu? O que viveu? O que sofreu? Não importa. O fato particular, em si, é menos importante [jamais desfaria da dor que aquele rosto transmitiu]. digo que ela não representa apenas ela, mas um povo inteiro; um povo que possui 14 milhões de crianças que são afetadas pelo conflito na Síria e no Iraque.
Eu tenho asco a ser dramático, maniqueísta, morro de medo de cair no pieguismo e acreditei que, nesse texto, cairia. Mas, não. O texto me levou para outro caminho. Esse artigo não é pra fazer ninguém chorar, é mais um tacar merda no ventilador do que qualquer coisa:
eu me rendo.
Eu me rendo a ver tal situação, eu me rendo a ver centenas de milhares de pessoas compartilhando tais fotos, dias antes ou dias depois, de tantas dessas pessoas dizerem que tem que explodir tudo lá mesmo, que tem que invadir, que com terrorista não se conversa, que é tudo um bando de assassino, que os árabes (sem sequer saber a diferença entre árabes, muçulmanos, kurdos etc) são o problema do mundo,
Eu me rendo ao ver que uma situação humana foi transformada numa situação ideológica, partidária. que defender a palestina ou a síria ou o iraque – ou melhor, o povo desses lugares – virou uma questão de esquerda, direita, e não do óbvio, que é a compaixão, a empatia pelo próximo que não tem como dilema do dia a guerra com a cama, porque não quer acordar cedo, mas que tem como dilema do dia a guerra. simples assim: a guerra.
Eu me rendo a ver que políticos e os colunistas políticos, num ato odioso e desumano, tiveram a audácia de criticar dilma em uma das poucas coisas ótimas que ela fez: seu discurso na ONU, em que é necessário DIALOGAR com tais países, tais organizações, porque não sei se vocês perceberam: joga-se bomba lá há décadas e o resultado disso, qual foi? Qual foi o resultado de anos jogando bomba naqueles países? Paz? Desenvolvimento? Educação? Não.
Mais e mais e mais guerra. Morte, desespero, sofrimento.
Não eram os terroristas que foram defendidos por ninguém, mas sim essa criança, que simboliza todas as outras. Porque enquanto o congresso e gente como Reinaldo Azevedo, Constantino, Jabor estão preocupados em espalhar ódio, essas crianças vivem o ódio.
Eu não estou e não quero fazer desse um artigo político. Eu estou decepcionadíssimo com Dilma. Não confundam a defesa de um discurso seu com todo seu mandato. Não façam desse texto um texto partidário, não rotulem o que está escrito aqui. É necessário abrir um pouco a mente, se desfazer desse ódio irracional e olhar, mais uma vez, para o rosto dessa criança.
Ela não merece que tentem outra forma de resolver o problema, que não a guerra?
chegou num ponto insustentável
Talvez sim, talvez não. E se chegou é por culpa desse tipo de gente, não só dos terroristas. Ainda assim, para saber, é necessário tentar, tentar o diálogo, tentar a conversa. Não pensem, nem por um instante, que o Ocidente sofreu mais do que essas pessoas. Não tenham a audácia de acreditar que o terrível (e é terrível, abominável, horrendo, inescrupuloso) atentado do 11/09 é pior do que o que esses povos já passaram.
Eu me rendo a viver num mundo que ignora os revolucionários curdos, que em meio ao lugar mais caótico do planeta, dão um show de democracia, força e desejo de viver.
eu me rendo a ter que, possivelmente, responder comentários que vão acusar-me de defender terrorista e isso e aquilo, que fugirão do tema central, que trarão questões de ordem política/partidária, sem o menor exame de consciência e responsabilidade de suas palavras, assim como os colunistas que eles seguem.
eu me rendo.
Cada vez mais.
Cada vez mais, me rendo àquilo que aprendi com o cara do amor pelo próximo, cada vez mais me rendo a compaixão que sinto pelo fraco e oprimido, ao desejo genuíno de querer um mundo mais igual, com menos vaidades, menos mentiras, menos ódio. Eu me rendo ao estender as mãos a quem tropeçou e a não atirar pedra em ninguém, eu me rendo a esses ensinamentos e me rendo às minhas próprias falhas. Eu me rendo, porque não acredito que seja possível viver bem e fazer o bem com tanto ódio que diversas pessoas demonstram, eu me rendo porque não consigo aceitar um mundo onde uma criança – puta que o pariu – vê uma câmera, confunde com uma arma e se rende.
*
*este texto foi cuspido, rendido e sem medo nenhum de ouvir uma quantidade inaceitável de bobeira. por gente como essa criança, é o mínimo que posso fazer.
Texto Gustavo Magnani
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