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Esquece-te a ti mesmo

Eu sei, eu sei, é provável que você discorde de mim. Tudo bem, é só um ponto de vista. Se for diferente do seu, tanto melhor, afinal o velho Nelson Rodrigues já dizia que toda unanimidade é burra.

O aforismo “conhece-te a ti mesmo” pegou! Ele estava escrito no pátio do Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia Antiga. Foi atribuído originalmente a Tales, mas no final quem levou a fama foi Sócrates, graças ao seu discípulo Platão. Nietzsche, que detestava Sócrates, preferia um verso de Píndaro, poeta, também grego, que dizia – “torna-te quem tu és”. Moderno isto. Quanto tempo perdemos na vida tentando ser quem não somos? Viva a diversidade! Que cada um possa ser quem de fato é! Somos todos únicos.

Seja como for, por caminhos vários, que aqui não temos tempo de discutir, ficou na cultura esta inquestionada visão do autoconhecimento, da autoajuda, da autorealização, da autoestima. Isto tem o seu valor, a sua importância, é óbvio, mas também tem seu lado duvidoso. Como terapeuta, sempre me preocupa uma possível iatrogenia, que é o efeito indesejado de um tratamento, decorrente de alguém ficar por um tempo muito prolongado pensando apenas sobre si mesmo, sobre “seus” problemas, sobre a “sua” vida. Claro, o bom profissional deve saber fazer um manejo disto, estar antenado com as reais necessidades do seu cliente.  Olhar demais para o próprio umbigo nem sempre resolve nossos problemas. O tiro pode sair pela culatra. Se você for dormir pensando no próprio sono, provavelmente terá insônia. Se for para a cama com alguém, pensando no próprio desempenho, é possível que não funcione.

O esquecimento exerce um papel importante na vida. Para Nietsche, por exemplo, o esquecimento é também uma força, capaz de nos libertar de repetições doentias que levam à frustração, ao descontentamento. E para Freud, o que é mais importante, o lembrado ou o esquecido? Com certeza o segundo. Viktor Frankl, médico austríaco, sobrevivente a quatro campos de concentração nazistas e criador da logoterapia, dizia que o sentido da vida está fora de nós. Para ele, dedicar-se a algo como uma causa ou a alguém, significaria esquecer-se um pouco de si mesmo, o que teria como efeito secundário, entre outras coisas, a felicidade. Ficar buscando ser feliz, assim como ficar tentando dormir pensando no sono, seria por isto improdutivo e frustrante. Realmente, comigo já aconteceu algumas vezes de estar com a cabeça cheia, focada em problemas que pareciam insolúveis, mas, precisando dar uma aula ou atender a um paciente, fui forçado a pensar em outras coisas. Mais tarde, ao voltar às minhas preocupações, elas pareciam muito menores, mais leves, as vezes até bobas. E com você, já aconteceu algo assim?

Einstein dizia que nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. Quando ele não encontrava a solução para algo, parava de pensar, de trabalhar, e tentava se distrair, esquecer, geralmente tocando no violino alguma sonata de Mozart. De repente, eureka! A questão estava resolvida. Quem sabe os antigos gregos, por melhores que tenham sido, estivessem errados. Quem sabe, no velho templo de Delfos, devesse mesmo era estar escrito: esquece-te a ti mesmo.

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