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Esperanças e utopias

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirmava que um dos traços marcantes e característicos da contemporaneidade consistia na chamada crise das utopias ou crise dos projetos futuros. Nesse sentido, os indivíduos encontram-se impotentes na adesão categórica a valores ou princípios que transcendem a seus próprios interesses  e objetivos particulares. Destarte, o individualismo exacerbado e o imediatismo representam empecilhos para a construção de uma esperança genuína num futuro melhor e justo. Infelizmente, as utopias perderam forças, visto que o compromisso ideológico dos homens com as cosmovisões perderam relevância substancial. Desse modo, até os movimentos sociais tornaram-se fragmentados, centrados em pautas identitárias, isolados entre si e incapazes na busca pelo bem comum. 

Numa primeira análise, insta trazer à baila o posicionamento de alguns pensadores contrários ao ideal de positividade das utopias. Dentre esses intelectuais, Friedrich Hayek, importante autor da Escola austríaca de economia, ocupa uma posição nevrálgica. Para Hayek, o século XX foi o século da primazia das utopias, em que os indivíduos se dedicaram aos elementos de ideologias entusiastas do progresso e da evolução. Sendo assim, diversas ideias ocupavam o imaginário da época. Todavia a atenção exclusiva às utopias apenas deixou um rastro de barbárie e tragédias,  sobretudo pela atuação tétrica dos regimes totalitaristas. Para o pensador em questão, as pessoas estavam tão concentradas em suas ideologias utópicas, que reorganizaram arbitrariamente toda a realidade social, violando, assim, inúmeros direitos e garantias individuais e desprezando princípios humanitários elementares. Portanto, Hayek era cético em relação  aos benefícios das utopias. Entretanto, a visão supracitada é carregada de um profundo fatalismo e pessimismo, embora contenha traços de veracidade. 

Sob o mesmo ponto de vista de Hayek, muitos pensadores contemporâneos associam as chamadas utopias a uma espécie de imanentização escatológica, isto é, tentativas de moldar a complexidade da vida em sociedade a partir de princípios abstratos, tendo em vista a instauração de um paraíso terrestre. Obviamente, há um perigo em dogmatizar ideias e reduzir a realidade em critérios simplistas e genéricos, mas é certo  que os indivíduos necessitam de esperança para perseverar e prosseguir no caminho da justiça, mesmo que a derrota seja certa. Destarte, todos os homens precisam da crença num futuro melhor, a despeito da amargura do presente. Ademais, as visões e descrições de sociedades harmônicas auxiliam na construção de críticas aos elementos da conjuntura fática, denunciando suas contradições e problemas. Trata-se de um estratégia utilizada por São Thomas More, em sua famigerada obra Utopia, cuja apresentação de uma comunidade pacífica e ordenada serviu como instrumento de condenação das mazelas da política de cercamentos, da arbitrariedade dos governos dos reis e da estética utilitária e materialista do capitalismo mercantil.

Em vista disso, dizia Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Então, para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Sendo assim, a condição humana é cativa das utopias e da esperança na primazia do bem, mas é preciso prudência para que as ideias não se desviem das virtudes e dos valores elementares. Em última instância, os projetos futuros só são realmente legítimos quando não desprezam a dimensão axiológica da ética das virtudes.   

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