São Bernardo de Claraval (1090-1153) foi um abade francês, cujos escritos foram de fundamental importância para estruturação dos pressupostos elementares da chamada “Teologia Mística”. É conhecido pela sua grande eminência, enquanto “Doutor da Igreja”, nas disputas apologéticas pela defesa dos dogmas cristológicos e na popularização da Regra de São Bento, sobretudo pela sua vida monástica na Ordem Cisterciense. Os ensinamentos de São Bernardo demonstram-se extremamente necessários para a espiritualidade cristã, centrada no desenvolvimento da caridade e piedade prática. Abaixo, algumas de suas lições primordiais serão abordadas de forma sintética, com o intuito de convidar o leitor para um contato direto com os escritos do autor.
- “Não importa o que tenhamos, o desejo do que ainda não temos não diminui, e é sempre por aquilo que nos falta que mais suspiramos. O que ocorre? É que nosso coração, cedendo aos vícios e aos encantos mundanos, fadiga-se inutilmente em sua corrida e nunca chega a se satisfazer (…) em todos esses desvios se perderam os ímpios (…) consomem-se em esforços vãos e não chegam a consumação feliz”
Em suas ponderações acerca da natureza humana, São Bernardo de Claraval retoma os ensinamentos de Santo Agostinho acerca da anterioridade do amor. Para Agostinho, o homem apresenta um vazio existencial infinito, ou seja, carregamos no âmago de nossos corações um sentimento profundo de incompletude. Essa incompletude incomensurável não pode ser preenchida por objetos e sentimentos finitos, mas tão somente por uma Substância infinita e eterna, a saber: Deus. Somente o amor de Deus é capaz de oferecer ao homem um propósito derradeiro, um motivo para viver de forma autêntica e integral. Já dizia Santo Agostinho: “Fizeste-nos Senhor para ti e nosso coração permanece inquieto enquanto não repousar em ti”.
- “A causa para amar a Deus é o próprio Deus; a medida, amá-lo sem medida (…) Aquele que louva ao Senhor não porque ele é bom para si, mas simplesmente porque ele é bom, ama verdadeiramente a Deus por Deus, e não por si, o terceiro grau de amor é, então, amar a Deus por ele mesmo”.
São Bernardo de Claraval ressalta a virtude infusa da caridade enquanto pilar essencial e imprescindível para o desenvolvimento de uma espiritualidade cristã e holística. Amar a Deus acima de todas as coisas é o preceito elementar da cosmovisão cristã. Portanto, a vocação derradeira do homem é a caridade perfeita, a união afetiva com o Criador. A verdadeira caridade não encontra-se em amar a Deus pelos benefícios pessoais oriundos dessa relação afetiva, mas sim numa entrega total ao Criador sem esperar nada em troca, senão a contemplação verdadeira da benevolência e magnitude de Deus. Conforme ressalta a tradição da Igreja, a caridade é uma virtude sobrenatural (dom infuso) pelo qual amamos a Deus acima de todas as coisas. O crescimento na caridade requer as seguintes práticas: desejo ardente desse amor, desapego (renúncia de outros amores), meditação sobre a Paixão de Cristo e, por fim, a vida de oração.
- “O que é que enriquece a alma que medita, dá força às virtudes, faz prosperar os bons e honestos costumes, suscita puros afetos? É árido todo o alimento da alma, se não tiver esse azeite; e insípido, se não for temperado com este sal. Se escreves alguma coisa, não me apraz se não leio Jesus. Se discutes e falas, não me agrada, se não ouço Jesus. Jesus é mel na boca, doce melodia no ouvido, alegria no coração”
Em suas meditações, São Bernardo defende veementemente uma cosmovisão cristológica, cujos elementos encontram-se centrados nos méritos e merecimentos de Cristo e em sua Paixão. A nossa esperança deve recair primordialmente sobre as promessas de Deus em Jesus Cristo, enquanto Mediador e Redentor.
- “Devemos evitar cuidadosamente a ignorância de nos glorificarmos com o que é inferior. Mas evitamos com cuidado ainda maior esta outra ignorância de atribuir a nós mesmos mais do que merecemos, como ocorre quando cometemos o engano de nos imputar o bem, qualquer que seja, que vemos em nós (…) nos glorificamos do bem que está em nós, como se ele viesse de nós, sem temor de roubar de outro a glória indevida”
A Humildade é uma virtude cardeal essencial para o desenvolvimento de uma piedade prática. Conforme ressaltava Santa Teresa de Ávila: “Deus é a Suma Verdade e a humildade é andar na Verdade”. Ademais, foi pela humildade que São Miguel Arcanjo, cuja posição na hierarquia angélica corresponde à segunda classe da ordem mais baixa, derrotou Lúcifer, um anjo que ocupava umas das posições superiores mais reconhecidas. “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Pr 3, 34; cf. Tg 4, 6). A humildade é uma condição necessária para o autoconhecimento. Somente pelo autoconhecimento reconhecemos que todo bem provém de Deus e não de nossos próprios esforços. “Homem sem humildade é homem sem discernimento. Seu agir baseia-se no orgulho, da mesma forma como todo discernimento vem da humildade” (O Diálogo– Santa Catarina de Sena)
- “É valioso que a liberdade seja acompanhada de um julgamento, pois o homem realmente livre é o que, quando peca, julga-se. O julgamento, quando proferido, faz com que o pecador- o que desejou pecar- sofra com uma pena que não desejou”.
Liberdade é indissociável da responsabilidade. Relacionar a liberdade com a responsabilidade chega a ser uma espécie de redundância. Destarte, a autêntica vida livre requer julgamentos morais, ou seja, a adoção de um parâmetro objetivo de discernimento acerca da moralidade das ações e condutas cotidianas. Sendo assim, é certo dizer que a liberdade deve ser entendida a partir de uma dimensão axiológica e valorativa. “Liberdade que ignora a diferença transcendental entre o bem e o mal acaba por abolir a própria liberdade” (Venerável Fulton Sheen em “Verdade essenciais”).
Conforme ressalta Jules Payot: “A liberdade moral, como a liberdade política, como tudo aquilo que tem valor neste mundo, deve ser conquista com muita luta e incessantemente preservada. É a recompensa dos fortes, dos hábeis, dos perseverantes. A liberdade não é um direito, nem um fato; ela é uma recompensa, a mais fecunda em felicidade”.
- “É boa consciência aquela que corrige, que castiga os pecados passados e se guarda de incorrer no que mereça castigo; sentirá o pecado, mas não consentirá nele, e se o pensamento a mancha , a razão a lavará e purificará (…) Mas a razão é atribuída à vontade para instruir, não destruir. Porém, ela a destruiria se lhe impusesse qualquer necessidade, não a deixando agir livremente- por seu próprio arbítrio-, e precipitando-a no mal ao (fazê-la) consentir com o apetite ou com o espírito viciado”.
São Bernardo de Claraval frisa a necessidade de uma boa consciência amalgamada com uma vontade reta de praticar atos virtuosos e que contribuam para a santidade. A boa consciência nutre a firmeza moral e a constância no Sumo bem. Em última instância, a vitória sobre as provações depende de uma vontade centrada na busca pela santidade e na aversão para com a prática do pecado.
Referências complementares:
- CLARAVAL, São Bernardo de. Tratado sobre o Amor de Deus. São Paulo: Editora Paulus, 2015. “
- CLARAVAL, São Bernardo de. As Heresias de Pedro Abelardo. Editora É realizações, 2017.
- GILSO, Étienne. A teologia mística de São Bernardo. São Paulo: Editora Paulus, 2016.
Links importantes:
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