É preciso salvar nossas circunstâncias

É preciso salvar nossas circunstâncias

Um dos problemas intelectuais e espirituais da contemporaneidade consiste na preocupação exacerbada com assuntos estruturais, ou seja, com disputas relacionadas a ordem política nacional e assuntos concernentes à economia internacional.  É como se nossas preocupações e anseios recaíssem tão somente sobre acontecimentos que não nos afetam direta e diariamente.

Tendo em vista o exposto, John Henry Newman chamava de “futilidade” a exagerada preocupação de alguns indivíduos com notícias internacionais e com problemas e acontecimentos dos “quatro cantos do mundo”. Sendo assim, essas pessoas vivem em um “turbilhão” e discutem acerca da economia nacional e das disputas políticas em outros estados, mas demonstram uma incapacidade muito grande na promoção de uma reflexão silenciosa sobre sua própria realidade, seus defeitos, os rumos de sua vida e suas responsabilidades primárias. Destarte, atribuem ao governo a função de correção moral, mas ignoram o próximo que sofre. Trata-se do típico “homem massa”. Não há moralidade na postura do “homem massa”. Seu barulho irrita e sua inquietação é motivo de desânimo.

Portanto, ao passo que concentramos nossos esforços em desvendar os mistérios e nuances da conjuntura estrutural, abdicamos cada vez mais de nossa responsabilidade para com a realidade local, ou seja, para com as nossas circunstâncias.  Nesse sentido, dizia Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias. Se não salvo minha circunstância, não me salvo a mim (…) é preciso buscar o sentido do que nos rodeia”. Sendo assim, a responsabilidade primordial do indivíduo recai sobre suas circunstâncias, ou seja, sobre as partes integrantes de sua realidade mais próxima, a saber: família, amigos, escola, município, bairro e faculdade. Tamanha eminência dessas circunstâncias que Ortega era categórico na afirmação segundo a qual o que caracteriza o indivíduo é sua relação com a conjuntura local que o rodeia. Por certo, o que o autor deseja transmitir é uma mensagem simples e fulcral, mas pouco valorizada, a saber: pequenas coisas importam.

Diante do exposto, Santa Teresinha de Lisieux costumava dizer que o comprometimento com as tarefas morais e espirituais mais rotineiras e simples determina, em última instância, o grau e a intensidade do apreço pela verdade e pela caridade. Nesse sentido, Fulton Sheen afirmou: “A vida de quase todos nós é feita de pequenas coisas, e são estas que põem à prova o nosso caráter. Poucos são os chamados a desempenhar lugar de relevo nos grandes conflitos dos nossos tempos; a grande maioria luta em cenários apagados, e desempenha tarefas humildes. Os combates que o homem tem de enfrentar, quer contra o mal de seu mundo interior, quer contra o círculo moral, no qual a sua influência é menos trivial do que pode parecer, são, de fato, a luta pela vida e pelo decoro.”

Inquestionavelmente, os pequenos atos de caridade são mais importantes, em termos axiológicos, do que disputas concernentes a assuntos estruturais. Gosto muito de relembrar uma pequena reflexão do mago Gandalf. Em O Hobbit: Uma jornada inesperada, o personagem afirmou: “Saruman acredita que apenas um grande poder pode conter o mal, mas não é o que descobri. Descobri que são as pequenas coisas, as tarefas diárias de pessoas comuns que mantém o mal afastado, simples ações de bondade e amor”.

Enfim, pequenas coisas importam. Sejamos firmes no compromisso com a estabilidade de nossas circunstâncias, pois, são elas que caracterizam nossa identidade.  Somente a caridade genuína é responsável pelo desenvolvimento de nossa individualidade. Portanto, “não perca sequer uma oportunidade de fazer um pequeno sacrifício. Um sorriso aqui; uma palavra gentil acolá. Sempre fazendo pequenos atos de bondade, e sempre fazendo tudo por amor” (Santa Teresinha de Lisieux).

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