“A visão inocente”
Como de costume, sempre converso com crianças, na verdade, converso com as mesmas crianças: João Miguel, Marco Antônio e Heloísa. Esses três são meus sobrinhos; cada um tem sua peculiaridade e, apesar da tenra idade, possuem uma visão do mundo diferente dos adultos. Cito essas três crianças, mas todas as outras também têm a mesma qualidade, que gosto de denominar de “Visão inocente”. O nome já diz tudo, contudo, vou dar um pequeno resumo dessa teoria.
A base da ideia é o contraste da visão adulta em comparação com a visão infantil. Enquanto os adultos olham com olhos cansados, ansiosos, melancólicos e quase sempre desconfiados, a criança tem um olhar inquisidor, sem pré-conceitos, analisando o que veem de forma pessoal e muito sincera. É sobre esse olhar inocente que a crônica que escrevo se trata. Sem mais demora, vamos ao fato!
Cansado de atormentar minha mãe com brincadeiras bobas, fui até o quarto para sentar um pouco na cama. Lá, deitada na cama e assistindo a uma novela infantil com o volume da TV muito alto, estava minha sobrinha Heloísa. Era e ainda é raro ver minha sobrinha quieta. Quase sempre estava correndo pela casa, dançando, cantando ou provocando alguém. Diante daquela situação diferente, puxei assunto com ela. Como estava atenta à novela que passava toda tarde, falei com ela referente ao que passava na TV. A cena que passava na novela era a seguinte: três crianças conversavam na quadra da escola que estudavam, o assunto deles não é o que quero frisar.
O que eu notei era que uma das crianças era cadeirante. Sem pensar muito, olhei para minha sobrinha e perguntei: “Por que esse menino está assim?” Ela fixou o olhar na TV e respondeu com tom de dúvida: “Que menino?” Bastou essa resposta para perceber que o olhar da criança é muito diferente dos adultos. Mas isso foi apenas uma amostra da sabedoria da minha sobrinha. O mais admirável veio depois.
Aquela resposta já foi uma inspiração para mim. Pensei em sair do quarto, pegar uma caneta e um caderno e escrever sobre a inocência inata das crianças, coisa que fiz posteriormente. Entretanto, fiquei no quarto por algum tempo em silêncio. Outra cena já passava na TV, era a seguinte: as crianças da escola vendaram o menino cadeirante e, depois de alguns minutos, desvendaram o menino. Para surpresa dele, todos os seus amigos estavam sentados em cadeiras de rodas na quadra da escola. O motivo dessa empreitada era nítido: as crianças queriam enturmar o menino cadeirante nas brincadeiras deles. Por fim, todas as crianças disputam o basquete, todos sentados em cadeiras de rodas.
Foi nesse momento que minha sobrinha falou uma frase que prova a superioridade infantil em comparação com os adultos. Ela disse: “Nossa tio, como eu não queria não poder andar, deve ser muito divertido brincar na cadeira de rodas”. O desejo apresentado por ela poderia ser considerado um tipo de inveja, mas vai muito além disso. Na verdade, o que ela sentiu foi um desejo genuíno, proveniente da inocência e da falta de conceitos. Onde todos veem a limitação e uma vida de privação, ela apenas enxergava o lado bom.
Se todos tivessem o olhar das crianças, tudo seria levado por um lado bom, mesmo se a situação parecesse desconfortante. Hoje minha sobrinha nem se lembra desse momento; o que ela falou não tem importância, pois para ela aquilo era claro. Mas para mim, adulto melancólico, aquela ideia era rara, e de fato a bondade é raridade e todo adulto sabe disso. Aquele dia eu aprendi a olhar com bons olhos, dizem que crianças tem que aprender, concordo com essa sentença, mas também acredito que crianças podem ensinar, ensinar a inocência.