O ano de 2020 foi um ano de pura superação emocional, não só para mim mas acredito que para muitos que se preocupavam com os resultados desastrosos desta pandemia. E assim entrei o ano de 2021 com grande desgaste físico e emocional e com poucas esperanças efetivas para a solução deste problema, já que eu não via muito empenho, por parte de nossas autoridades em resolver essa crise sanitária em que nos afundamos.
A solução que eu via, já que não tinha ninguém olhando por nós, seria eu olhar pelos que me cercam e cuidá-los da forma que era possível a mim fazê-lo.
Ah sim, fiquei uma neurótica usando luvas, duas máscaras, faceshield, álcool eu tinha váriosna bolsa. Não nos alimentávamos na rua, não usávamos banheiro fora de casa, saimos muito pouco somente para o essencial. Em casa separei copos e talheres, cada um tinha o seu, ficávamos em cômodos diferentes. Eu tinha três desafios: não me contaminar com o coronavírus, vigiar minha família o tempo todo para que não se contaminassem e não enlouquecer com tanta maluquice que estava fazendo. Ao fim de tudo eu tinha certeza de que se eu não pegasse o covid eu sairia dessa pelo menos com toc (transtorno obsessivo compulsivo), parece modo de falar mas algum transtornopsiquiátricoeu desenvolveria com esse excesso de cuidados. Alguém se identifica?
E no meio dessa turbulência, eu que nem passava na rua do hospital pois literalmente eu via vírus em tudo, meu marido estoura o apêndice e precisa de uma cirurgia de emergência. Ai meu Deus, eu com tanto medo, fui parar com ele dentro de um hospital. Foi mais um aviso de Deus me mostrando que eu não tinha o controle das coisas.
O medo às vezes bloqueia a gente, mas precisamos enfrentá-lo. E eu sou uma pessoa de muitos medos, mas de muitos enfrentamentos também. O medo me assombra, mas não me domina.
Então correu tudo bem com a cirurgia e conseguimos sair dessa sem a contaminação, apesar dos casos na cidade, já nesta altura, estar em número bem crescentes.
Voltando à rotina normal, no meu dia a dia fora de casa, era obrigada a conviver com inúmeras pessoas que não tinham os mesmos cuidados que eu estava tendo, apesar de tantas notícias aterrorizantes, talvez se sentissem inatingíveis por essa praga.
Enquanto eu, por outro lado, pensava que era apenas questão de tempo. Apesar de pedir muita proteção à Deus, no fundo achava inevitável que acontecesse.
De tanto usar máscara ininterruptamente, quase todo mês eu tive crises de sinusite, não tenho certeza se é por isso mas acontecia frequentemente.
Mas finalmente a vacina chegou para mim e com isso o alívio. Alívio que durou pouco pois tive reação à primeira dose e quando tomei a segunda dose, me senti mal da mesma forma, porém os sintomas não passavam. Pensei que a vacina, e a reação que me causaste, tivessem provocado novamente a tal sinusite em mim. Até que descobri que não era sinusite e sim a própria covid19, que veio seguidamente logo depois da segunda dose. Enfim, o susto foi grande mas segui confiante de que daria tudo certo. A saudade do meu pequeno filho foi enorme, tive que afastá-lo de mim por segurança. Muitos sentimentos contraditórios eu fiquei naquele momento. Me senti abandonada mesmo estando em casa e pensei por demais naquelas pessoas que realmente ficam solitárias na cama de um hospital. Senti que a dor deles doeu em mim.
Então com o desfecho de que tudo ficou bem, eu e meu filho mais velho não precisamos de internação, meu filho mais novo e meu marido se mantiveram protegidos e não se contaminaram e todos da minha família passaram ilesos.
Contudo, tive uma vontade enorme de finalmente reunir a família, fazer uma festa comemorando por não termos sido tão afetados como eu temia. Uma sensação de alívio, alegria e euforia. Mas não foi possível comemorar assistindo a desgraça de tantas outras famílias pelo mesmo motivo. Não foi possível comemorar com a morte do ator Paulo Gustavo, uma pessoa tão iluminada, naquela mesma semana. E junto com ele mais de duas mil pessoas também. Não foi possível comemorar com o descaso do governo com nosso País, com pessoas passando necessidades enquanto outra parcela da sociedade está sendo dizimada por esse vírus.
Muito me entristece ver uns lutando pelo dinheiro, poder, diversão; enquanto muitos lutam para respirar e restabelecer sua saúde e enquanto outros não têm mais como lutar.
Não, assim não dá para comemorar! Não é tempo para isso! É tempo de agradecer e pedir para que isso passe logo. Como isso tudo me marcou tanto, marcou em minha alma, resolvi me calar e simplesmente fazer uma tatuagem de uma flor, com algumas pétalas se desfazendo pois nenhum de nós se sente completo depois dessa pandemia e finalizei com a palavra Bem em seu caule. É o bem que não quero me esquecer de desejar e de fazer às pessoas.
E foi assim que eu venci a covid, primeiro superando meus medos.
Sei que esta é e será uma experiência múltipla para cada um de nós, mas que sigamos aprendendo cada vez mais com cada pedra, seja grande ou pequena, que se posicionar em nossa frente.