As desigualdades sociais constituem ameaças à democracia?

As desigualdades sociais constituem ameaças à democracia?

O filósofo liberal francês Alexis de Tocqueville definiu a democracia enquanto um tipo de sociedade, ou melhor, como um fato social caracterizado pela busca dos indivíduos em prol da liberdade e da igualdade. Por certo, o pensador supracitado, na qualidade de liberal, recusava o igualitarismo (afirmação da igualdade em termos econômicos), mas defendia, de forma categórica, a necessidade da igualdade de condições, oportunidades e possibilidades, visto que o apreço pela liberdade exige condições materiais mínimas de subsistência e instrumentos necessários para que os indivíduos desenvolvam suas potencialidades. Portanto, pode-se afirmar que a potencialização das desigualdades sociais representa uma ameaça para consolidação de uma democracia genuína. 

Numa primeira análise, é premente frisar o quesito teleológico do Estado. Nesse sentido, enquanto uma ordem jurídica soberana, o Estado é definido pela sua dimensão finalística, qual seja: a imprescindibilidade da busca pelo bem comum na sociedade. Nas palavras do papa João XXIII: “O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana e sua sociedade”. Diante disso, o Estado Democrático de Direito deve ser analisado a partir de sua adequação conforme os ditames do bem comum, que engloba um complexo de valores e elementos, cujo conteúdo objetiva, em última instância, o princípio da dignidade humana. Desse modo, uma democracia genuína apresenta um zelo notável com os pressupostos da justiça social, não definida em termos ideológicos e coletivistas, mas numa compreensão clara das condições necessárias para o desenvolvimento holístico da comunidade. 

Destarte, é impossível a efetivação dos princípios democráticos em uma sociedade dominada pela proliferação das desigualdades sociais. Em vista disso, o pensador norte-americano John Rawls afirmava que as desigualdades são naturais e legítimas, todavia, quando a disparidade socioeconômica entre os indivíduos adquire uma realidade alarmante, isto é, a ponto de comprometer a dignidade humana e o mínimo-existencial, é preciso uma atuação em prol da igualdade de condições e possibilidades. Nesse sentido, Rawls, assim como Tocqueville, rejeitava o igualitarismo, mas reconhecia a necessidade de uma sociedade estruturada em torno de outros valores, além de uma liberdade definida em termos de não-interferência às ações individuais. 

Em virtude do que foi apresentado, é eminente a busca pela igualdade, tão frisada por vários autores e filósofos políticos, inclusive por pensadores liberais. Portanto, não se trata de afirmar um sistema igualitário e centralizador, mas de ressaltar um princípio estrutural da própria democracia. Obviamente, medidas de combate às desigualdades sociais devem ser feitas a partir do arcabouço axiológico do constitucionalismo e da legalidade. Por fim, ao lado do poder público, a caridade e o voluntarismo também devem integrar as práticas de justiça social. 

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