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Amizade e política: a importância da amizade para a vida em comunidade

a importância da amizade para a vida em comunidade

Em suas reflexões sobre a amizade, Aristóteles não deixa de assinalar a importância que a mesma tem para a vida na pólis, para a vida em comunidade. É a politique philia – amizade política (como consta no livro IX da Ética a Nicômaco).

A amizade como um elo de sociabilidade é ressaltada por vários autores: (STEWART apud GIANNOTTI, 1996, p. 167); a “amizade é nobilitante e necessária para que o homem se realize como indivíduo e em sociedade” (LARA, 2009, p. 71); a amizade promove uma “verdadeira conexão que preserva a união de todas as Cidades-Estado. Por conseqüência, promove a estabilidade da paz nas relações entre estas, alavancando para o bem do convívio social, como símbolo dessa harmonia social” (SILVA NETO, 2009, p. 42). Além disso a amizade se relaciona com assuntos de interesse comum na vida em sociedade e como uma virtude que possa conduzir à harmonia da pólis, sob os ditames da razão. “Para que a amizade possa atuar na política, deve ser conduzida pela razão, pois a razão, segundo o filósofo, ajusta os desejos que, sem orientação, desequilibra a boa condução de uma cidade” (FEITOSA, 2013, p. 122-123).

Alves (2012, p. 434) chama a atenção para o fato de como a “predisposição natural do homem à sociabilidade, a estabelecer relações inter-humanas implica uma série de elementos complexos”. A vida em sociedade reque um olhar menos individualista e mais comunitário, o que implica o olhar sobre o outro, o alter ego (alteridade). Implica na necessidade de viver sob a “gerência” de normas (do direito e da moral) para que seja possível a convivência social. Implica na necessidade de estabelecer relações sociais e, dentre estas, relações de amizade.

Do ponto de vista da filosofia aristotélica, Ortega (2002, p. 43) pondera como “o conceito e o sentido da amizade são determinados pela perspectiva da polis. É a partir do ideal de uma vida comunal perfeita numa polis autárquica que a amizade é concebida”. Além do mais, se considerarmos que o espaço político deve ser um espaço onde todos devem almejar ao bem por excelência, então compreende-se que a busca dos homens pela sua realização enquanto zoon politikon – animal político – implique também a busca pela amizade. Se faz parte da natureza humana sua sociabilidade, ou seja, a vida em uma comunidade política, então não é possível imaginá-lo viver sem amigos. “Para Aristóteles, a amizade, além de ser uma virtude, é expressamente necessária à vida” (ALVES, 2012, p. 442) e à vida em comunidade.

O sentido de amizade em Aristóteles não pode ser entendido fora de uma dimensão comunitária, como destaca Ricken (2008). A amizade está presente em toda forma de comunidade, desde aquelas que encontramos no seio familiar, entre homem e mulher, pais e filhos ou irmãos, e também entre os cidadãos de uma polis, entre governantes e governados. E como destaca Sousa (2014, p. 15), “A pólis é pensada como uma comunidade que exige dos seus membros mais que relações de interesses e necessidade”.

John Cooper (apud NASCIMENTO, 2015, p. 63) amplia igualmente as implicações da tese aristotélica do homem como um animal político e inclui nessa análise o conceito de amizade:

De acordo com o autor: os homens possuem a ten­dência natural de formar comunidades nas quais a vida de todos é organizada tendo em vista o alcance do bem comum; esse bem comum, por sua vez, é alcançado pela e na atividade política comum levada a cabo pelos cidadãos, mas só pode ser partilhado por todos se todos estão unidos pelo laço da ami­zade cívica.

Essa amizade cívica deve ser um dos fatores de agregação do bem estar da sociedade. E Fleitas (2016, p. 29) ressalta como

Na visão aristotélica a amizade está relacionada à política, já que o indivíduo é uma fração de um todo, da comunidade (pólis), e é ali que se dinamiza o meio necessário para desenvolver a sua moral em um cenário social e político que o torne pleno e virtuoso.

A amizade constitui, assim, um dos alicerces da comunidade política na medida em que fortalece o vínculo entre os homens na procura de uma via boa e feliz.

Amizade e Justiça

A relação entre amizade e política desdobra-se também no âmbito da justiça que, tanto quanto a amizade, é um elemento fundamental para a sociedade. Tal como a justiça, a amizade também é um fator de agregação na pólis. Mas existe uma certa superioridade da amizade em relação à justiça pois a justiça é desnecessária entre amigos e a amizade virtuosa é uma forma autêntica de justiça.

De qualquer forma, a justiça e a amizade são fatores essenciais para permitir o desenvolvimento harmônico da pólis, harmonia que possibilite o estabelecimento das condições adequadas para o bem viver e para o florescer da virtudes dos cidadãos, fatores essenciais para que eles alcancem a felicidade, o propósito último da vida comum (SOUSA, 2014, p. 16).

Dentre os tipos de amizade definidos por Aristóteles (veja mais em Sobre a Amizade) Fleitas (2016) ressalta como a amizade verdadeira está relacionada com a justiça (dikaiosyne), entendida como virtude política e como fator que mantém a ordem de uma comunidade e o que é justo. A justiça se relaciona com a amizade pois ambas são, igualmente, causa da ordem em uma comunidade. A amizade como fator de ordem em uma comunidade é tal que Aristóteles chega a afirmar que “Quando as pessoas são amigas não têm necessidade de justiça, enquanto mesmo quando são justas elas necessitam de amizade, considera-se que a mais autêntica forma de justiça é uma disposição amistosa.” (ARISTÓTELES, 1999, VIII, 1, 1155a 29-31). Em outras palavras, pode-se dizer que “os homens injustos não podem estabelecer relações de amizade perfeita e, portanto, numa comunidade sem justiça não se possibilita a existência da virtude na amizade” (FLEITAS, 2016, p. 50).

A philia (amizade) e a dikaiosyne (justiça)

estão estreitamente ligadas, podendo-se mesmo dizer que a primeira é que se mostra como sendo o verdadeiro liame que mantém a coesão de todas as cidades-estado. Se comparadas, uma e outra, aquela há de ser colocada como o verdadeiro assento da paz nas relações entre as diversas cidades-estados, motivo pelo qual se deve dizer que a amizade concorre preventivamente para o bem do convívio social. A amizade é louvada pelos legisladores e sua semântica assemelha-se àquela da concórdia entre as cidades (BITTAR, 2001, p. 143 apud ALVES, 2012, p. 443).

A philia e a dikaiosyne são aspectos fundamentais da vida em sociedade e produtora de coesão social à qual é preciso acrescentar a felicidade. “É na relação dessa tríade: amizade, justiça e felicidade que encontramos o aspecto comunitário do bem” (LARA, 2009, p. 72). Não há felicidade onde não há justiça e onde não há amizade e, sendo a finalidade do homem como ser político a harmonia e a felicidade na vida em comunidade, a philia e a dikaiosyne se tornam elementos indispensáveis.

A amizade “é o que há de mais necessário à vida, já que os bens que a vida oferece, como riqueza, poder, etc, não podem ser conservados nem usados sem os amigos” (ABBAGNANO, 2007, p. 37).

Leia mais: SABEDORIA POLÍTICA

 

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