A transformação das sociedades e a evolução das liberdades individuais com o advento da modernidade

A transformação das sociedades e a evolução das liberdades individuais com o advento da modernidade

Durante praticamente todo o período da história da humanidade, o processo histórico evolutivo dos seres humanos fez com que as sociedades caminhassem, mesmo que inicialmente sem uma transparente direção, no sentido da formação de uma nova estrutura que viria a ser compreendida como moderna.

Tal processo histórico, que desencadeou o que a partir do século XX ficou conhecido como Modernidade, teve seu advento carregado de símbolos e está, normalmente, relacionado com o desenvolvimento do Capitalismo. Esta tendência, abarcada como uma proposta diferenciada de mundo, deixou padrões e condutas, consideradas “atrasadas” pelo surgimento dos novos arquétipos, para seguir uma direção mais “livre”, ou seja, para adotar a caracterização de novos costumes, estilos de vida ou organizações sociais menos densas e rigorosas.

Essa ideologia influenciou pensadores e as sociedades como um todo por meio da ideia do progresso, bem como pela ideia de liberdade e abnegação sobre questões específicas que pudessem impactar no convívio dos indivíduos em sociedade. Ou seja, à medida em que as relações e a proximidade entre esses indivíduos foram se expandindo, fazendo com que – consequentemente – também fosse estendido o contato com o “outro”, tornou-se especialmente importante, dentre outras questões, fatores como a evolução das liberdades individuais dos cidadãos em todos os âmbitos, incluindo a uma significativa evolução nas relações de trabalho.

A história demonstra que a emergência da Modernidade foi um dos quesitos essenciais para os múltiplos movimentos surgidos a partir de então em todas as esferas da sociedade, e que o movimento Moderno trouxe inovações importantíssimas, principalmente no que diz respeito à identidade, à cultura, ao desenvolvimento e à evolução da arte, da literatura e da música e, mais especificamente, à própria história dos cidadãos.

O advento do mundo moderno também foi suficientemente significante no que diz respeito a moldar o pensamento e a estrutura intelectual das pessoas e dos grupos em convívio durante a ascenção do movimento ideológico, fazendo com que uma ampla classe de pensadores com efervecentes conceitos culturais, igualitários, trabalhistas e políticos emergissem no contextualizado período.

Essa aventura moderna, como bem denominou Marshall Berman (1986), é a responsável pela mudança de comportamento de muitas gerações, rompendo as relações tradicionais do homem da Idade Média – que tinha uma visão mais regionalizada de vida, era determinado para Deus e para a natureza e fazia prevalecer o enraizamento da tradição na organização social da comunidade – com esse novo homem, que, nesse novo período conhecido como Modernidade, passou a viver o mundo da autodeterminação, da razão e o mundo da constante transformação.

A imaginação nesse novo período trouxe diversas conquistas para a sociedade em todos os aspectos, ampliando, dessa forma, os caminhos do conhecimento, fato que resultou, especialmente, num processo dinâmico de desenvolvimento que abordou toda a estrutura de conhecimento e de experiências humanas. “A transformação de todo o mundo físico, moral e social” (BERMAN, 1986: 42) que os homens estavam acostumados a viver, mantendo a maioria das tradições antes determinadas, começou a fazer sentido no contexto da modernidade, uma vez que o movimento indicou uma sociedade e uma estrutura de homens livres com pensamentos que apontavam em direção a um “ideal cultural de autodesenvolvimento” (BERMAN, 1986: 41) e autoconhecimento.

Um dos conceitos que mais apresentaram mudanças a partir da evolução do movimento moderno, conforme já mencionado, diz respeito às liberdades individuais dos cidadãos em sociedade. Tal questão tem singular importância histórica, não só por ter propiciado o rompimento com os padrões enraizados desde a Idade Média, mas também por que a cultura modernista propiciou uma real e importante independência, por meio da qual os cidadãos conquistaram individualidades e liberdades pouco discutidas até então.

O paradoxo é que “conquistas” modernas como a questão das liberdades e da individualidade já eram debatidas, por exemplo, por pensadores do século XVII, como John Locke. Em sua Carta Acerca da Tolerância, Segundo Tratado Sobre o Governo e Ensaio Acerca do Entedimento Humano, Locke já pensava, por meio do próprio Estado de Natureza dos cidadãos, questões como a evolução das liberdades.

Para Locke o Estado de Natureza era o estado natural do homem e representava uma situação de perfeita liberdade. Tratava-se de um estado de ampla e plena igualdade entre as pessoas (sem qualquer subordinação entre uns e outros e onde ninguém era superior a ninguém) por meio do qual todos os indivíduos eram livres e nenhum indivíduo tinha mais do que qualquer outro. Este estado de liberdade significava um “estado de perfeita hamonia”, através do qual o homem, de fato, deveria ser livre.

Conforme Locke, este Estado de Natureza era regulado por uma lei da própria natureza, lei esta que estava vinculada à idéia de igualdade e de liberdade, ou seja, todos eram iguais e a cada um deveria ser permitido agir livremente desde que não prejudicasse o outro.

“Devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade (…) sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem.” (LOCKE, 1983: 35).



Desde que se começou a pensar em uma cultura moderna, quando a barreira do tradicional rompeu-se de fato, os indivíduos passaram a buscar essas liberdade que Locke já apontava em seus escritos. O mérito da modernidade, no entanto, tem sido propiciar uma evolução das sociedades de maneira constante, abrangente e dinâmica.

O movimento modernista foi o estandarte para um processo de mudanças e de transformação identitária, que produziu um sentimento de valorização do “eu” nos que diz respeito a costumes, tradições, uma língua, hábitos e símbolos próprios. As relações no trabalho, as lutas de classes e o desenvolvimento da produção, as liberdades individuais (incluindo-se aqui os movimentos estudantis e o movimento feminino, por exemplo), são algumas das questões que, por conta de um espaço abarcado com a emergência do modernismo, alcançaram grandes resultados.

Neste ponto é notório o impacto que o movimento histórico moderno proporcionou às mulheres de todos os países do ocidente. Movimentos em prol de liberdade feminina começaram a surgir em todos os cantos, lutando pela igualdade da mulher perante os homens e ressaltando à sua capacidade. As mulheres alcançaram o direito ao voto, à liberdade e o direito de uma maior participação na sociedade. No campo de trabalho, as mulheres não só começaram a dividir espaço com os homens, como também passaram a buscar posições e a se inserir em profissões antes só pleiteadas pelos homens.

O espaço proporcionado pelo modernismo no âmbito da busca feminina, contudo, não se deteve somente nesses pontos. Fatores como a sexualidade deixaram de ser um tabu e tornaram-se assunto de relevância e discussão na maioria dos países, principalmente no ocidente. Além disso, o surgimento da pílula anticoncepcional permitiu às mulheres alcançarem uma liberdade e uma evolução sexual jamais vista na história da humanidade.

A quebra de paradigmas originada pelas ações e gestos modernistas trouxe mais impacto e a sociedade atual também foi beneficiada de maneira única. As liberdades individuais conquistadas pelo movimento conferiram aos indivíduos um conceito de independência e respeito. Diferentemente do que ocorria no passado, onde as pessoas sequer tinham liberdade para formar um convívio, a partir desse momento os cidadãos passariam a respeitar o lado “individual” de cada um e a aceitar costumes, crenças e idéias dentro da comunidade, tornando, dessa forma, a convivência entre os homens mais harmoniosa e até mais produtiva.

Eles chegaram (…) juntos para formar um novo tipo de de comunidade: uma comunidade que não se concentra na repressão da livre individualidade para manter um sistema social fechado, mas sim na livre ação construtiva, comunitária, para proteger as fontes coletivas que permitem a cada indivíduo ser tätig-frei. (BERMAN 1986:65)

No que diz respeito às questões de trabalho, se com a Revolução Industrial os homens foram obrigados a ficar mais tempo fora de casa por conta da nova rotina de produção, a partir do movimento histórico moderno os cidadãos passaram a lutar por direitos que viessem garantir a conquista de pontos considerados importantes – e que permanecem até os dias de hoje -, como reduções na carga horária trabalhada, aumentos salariais, férias remuneradas e acesso a sistemas de saúde.

A questão do trabalho e das relações das empresas com seus profissionais, a propósito, foi uma das questões que alcançaram visibilidade e passaram a ser modificadas por conta das mudanças trazidas pelo conceito de modernidade. Até aquele momento, apesar dos constantes indícios de mudanças que, de fato, iriam se concretizar com a ascensão do movimento, somente as classes privilegiadas tinham acesso às artes, à literatura, à ciência e à política. Contudo, o artifício da modernidade quebrou conceitos que permaneciam consolidados e trouxe uma nova dinâmica para as sociedades com as mudanças que começavam a surgir.

Todavia, se por um lado, o advento do mundo moderno trouxe como herança conquistas indiscutíveis respondendo aos anseios de toda uma sociedade aturdida, proporcionando aos cidadãos diferenças nítidas com relação ao passado imediato (no que diz respeito às liberdades individuais), por outro, a relação existente entre profissionais e empresas enfraqueceu de forma significativa. Essa mudança de relacionamento, fator preponderante desse novo período, fez com que houvesse cada vez mais um distanciamento da relação humana entre as empresas e os profissionais.



Para o empregador moderno (…) o empregado transforma-se em um simples número: a relação humana desapareceu. (HOLANDA, 1995, p. 142)

Em Tudo que é Sólido Demancha no Ar – A Aventura da Modernidade (1986) – Marshall Berman mostra que os avanços tecno-científicos, desencadeados a partir do movimento histórico da Revolução Industrial, tiveram uma grande e singular importância para que às relações de trabalho tivessem uma evolução aguda e enérgica, as quais foram determinantes para a estrutura do pensamento moderno. Nesse sentido, o dinamismo e a sensibilidade das ideias originais seriam imediatamente responsáveis pelo autodesenvolvimento das sociedades e seriam capazes de produzir uma classe de cidadãos e um convívio social particularmente independentes, além de uma significativa cultura moderna.

A divisão social do trabalho na Europa moderna, da Renascença (…) produziu uma vasta classe de produtores de cultura e ideias, relativamente independentes. Esses especialistas em artes e ciências, leis e filosofia produziram, ao longo de três séculos, uma brilhante e dinâmica cultura moderna. (BERMAN, 1986, p. 44).

A proeminência dessa postura moderna também permitiu observar que “o processo de desenvolvimento econômico e social gera novos modos de autodesenvolvimento, situação ideal para homens e mulheres que podem crescer nesse emergente mundo novo” (BERMAN, 1986). Desse modo, o rompimento com o tradicional e com o velho mundo pode, de fato, direcionar à sociedade a um “novo sistema social, vibrante e dinâmico” (BERMAN, 1986).

Assim, é relevante compreender que o resultado do processo histórico modernista e das expressivas e singulares transformações por ele sustentadas, em todos os sentidos, significou uma ruptura com todas as estruturas e paradigmas que ainda “insistiam” em criar barreiras ao novo mundo, ambiente este em que a libertação estética de fato se opôs à literatura e ao pós-simbolismo, pós-parnasianismo e pós-naturalismo; mundo da busca de rumos artísticos novos, como linguagem e vocabulário; mundo da transformação da cultura em geral, onde ficou registrado, claramente, uma notável rejeição às “velhas e antigas” tendências do século XIX. É esse mundo que passa a determinar o homem, mundo esse que a civilização do século XX passaria a denominar, por conta das tendências inovadoras, de Moderno.

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