A justiça na visão aristotélica

A justiça na visão aristotélica

Aristóteles analisa a justiça a partir dos elementos da ética teleológica das virtudes. Nas palavras do próprio autor, “virtude é uma disposição ou estado de caráter”. Desse modo, a justiça representa “a disposição de caráter que nos leva a fazer o que é justo, agir de modo justo e desejar o justo”. Ademais, é preciso reiterar que Aristóteles define diversos sentidos que se pode atribuir à justiça, sobretudo ao realizar uma verdadeira tipologia da justiça. Numa primeira análise, o autor grego enumera as práticas e condutas que estão distantes da justiça, a saber: a desigualdade, a ilegalidade e a ganância (pleonexia).

Nesse sentido, os tipos de justiça se relacionam com negações pontuais às práticas supracitadas. A justiça geral engloba a matéria de todas as virtudes e objetiva, em última instância, o bem comum e a promoção da legalidade, opondo-se ao vício da ilegalidade. A justiça particular, por sua vez, aborda a matéria específica da justiça e frisa o bem do outro cidadão, opondo-se ao vícios da ganância e da desigualdade. Destarte, a justiça particular trata diretamente da heteronomia e da bilateralidade das relações intersubjetivas, trazendo consigo os valores da igualdade e combatendo os interesses do indivíduo ganancioso, que almeja para si bens que não lhe pertencem. Os tipos de justiça supramencionados se relacionam com o conceito de justiça apresentado por São Tomás de Aquino, o qual, influenciado pela ética aristotélica, afirmou: “justiça é a virtude cardeal de dar a cada um o que lhe é devido”. Ademais, percebe-se que a justiça, na visão aristotélica, é teleológica e prudencial. O justo possui uma dimensão teleológica, pois almeja a consolidação de um bem. O justo é prudencial, pois escolhe e elege determinados comportamentos para a prática de determinados fins, os quais se resumem, em última instância, no bem supremo. Dessa forma, a justiça participa da razão prática. Terminadas as considerações preliminares, é possível adentrar propriamente nos conceitos de “justiça corretiva” e “justiça distributiva”.

Vale ressaltar que tanto o justo corretivo quanto o justo distributivo representam tipos e variações da justiça particular ou propriamente dita. A justiça distributiva existe numa relação do tipo público-privado, ou seja, é verificada quando existe um relação de subordinação entre os sujeitos participantes dessa relação. O justo distributivo trata da distribuição de bens, valores, honras e encargos numa sociedade. Para realização de tal distribuição, há a adoção de uma igualdade proporcional geométrica. Insta trazer à baila a centralidade das noções de mediania e proporcionalidade na filosofia jurídica aristotélica. Geralmente, a distribuição leva em consideração, além da proporcionalidade, a qualidade pessoal do beneficiário do bem ou encargo. Ademais, o justo distributivo aristotélico representa, de certa forma, os prolegômenos do princípio da isonomia, já que o pensador grego afirmou que a distribuição justa deve “tratar os iguais de forma igual e tratar os desiguais de forma desigual”.

Aristóteles também chegou a dizer que os critérios de distribuição podem variar conforme o regime político em vigor na sociedade. Em relação a justiça corretiva, o pensador grego era categórico na afirmação segundo a qual a atribuição do justo corretivo consistia no exercício de uma função retificadora das trocas humanas, tanto voluntárias quanto involuntárias. Nas trocas voluntárias, relacionadas às atividades econômicas em relação aos bens e propriedades, o justo corretivo segue a máxima “trocar os excedentes por necessidades”. Nas trocas involuntárias (infrações e desvios do comportamento honesto), quando há perda para uma das partes e ganho por parte da outra, há a necessidade de restauração das condições anteriores ou a instauração de uma equivalência. O papel do justo corretivo nas trocas involuntárias pressupõe a atuação de um juiz, o qual exerce a função de mediador do processo de aplicação da justiça de correção. Para Aristóteles, a justiça corretiva se fundamente na igualdade proporcional aritmética. Em virtude do que foi apresentado, percebe-se que a justiça corretiva e a justiça distributiva, enquanto variações e tipos do justo particular, refletem o anseio pela proporcionalidade, típico do desejo geral pela justiça, compreendida enquanto uma aptidão ética que apela aos elementos da razão prática. Em última instância, justiça se relaciona, de forma categórica, com a legalidade e com a igualdade proporcional.

Além disso, o filósofo grego estabeleceu outros tipos de justiça, a saber: justo político, o justo doméstico, o justo convencional/legal e o justo natural. Na visão aristotélica, o justo político se refere à modalidade de justiça presente no corpo cívico, ou seja, ” a justiça política existe entre os homens cujas relações são governadas pela lei”. O justo legal e o justo natural fazem parte do justo político. A justiça legal reflete a legislação vigente na pólis e depende da intenção volitiva do legislador. O justo natural, por sua vez, não depende da vontade do legislador e apresenta validade, força, aceitação e aplicação universais. Nas palavras de Eduardo Bittar, “o Justo natural tem caráter universalista (…) e representa o princípio e o fim de todo movimento do justo legal”. Enfim, apesar dos diferentes sentidos que se pode dar à justiça, a justiça, enquanto virtude ética, é prudencial e teleológica. Em sua dimensão holística, a justiça anseia pela busca do bem e pela observância da proporcionalidade (geométrica, no caso da justiça distributiva e aritmética, no caso da justiça corretiva).

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