Na matemática, uma reta é definida como um conjunto de pontos sem início nem fim. No trânsito de São Paulo, é uma linha tênue entre a civilidade e a barbárie.
No começo desta semana, parada num congestionamento na Avenida Roberto Marinho, minha mente começou a divagar. O que posso dizer: pós feriado, 12 milhões de pessoas de volta à cidade e, aparentemente, na mesma rua que eu, também de carro. Aquela síndrome de Garfield generalizada. Mentira, todos amamos uma segunda-feira.
Comecei a pensar no pouco ou nenhum valor que damos às faixas de trânsito, aquela singela linha pintada no chão. Calma, vou dar um contexto. Parte da zona sul de São Paulo está passando por um recapeamento, então não há pintura em vários trechos.
Eu tentava dirigir em linha reta e um carro ao lado foi vindo cada vez mais rápido ao meu encontro, numa tentativa aparente de ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo (o que demonstra, além de direção ofensiva, desprezo total às leis da física). Não, é claro que ele também não deu seta. Como não havia demarcação das pistas, quando eu olhei mais adiante, vi vários veículos fazendo manobras (pra ser fofa) igualmente ousadas.
Se a gente parar para pensar, aquela linha pintada no chão é capaz de assegurar, não só nosso deslocamento ordenado, como nossa própria sobrevivência. Imaginem aquelas ruas estreitas e de mão dupla, onde a faixa é a ÚNICA coisa que previne um caminhão de estraçalhar um Fiat Uno!
Por um autocondicionamento, respeitamos fielmente essas demarcações. Cada um na sua faixa. Menos alguns motociclistas que as ignoram solenemente, e “costuram” sua trajetória como artistas manuais psicodélicos, muitas vezes até na contramão. Mas essa é a exceção à regra.
Uns 500 metros depois, na altura da Ponte Estaiada, as faixas já estavam demarcadas e o trânsito voltou a fluir, ainda lento mas civilizado. E eu, me sentindo plena na minha própria faixa, sem expectativa de invasão do meu espaço, me dei conta da importância de uma referência para nos “mantermos na linha”.
Como disse o grande pintor espanhol Joan Miró: “Uma simples linha pintada com o pincel pode levar à Liberdade e à Felicidade.” No meu caso, levou até o supermercado, em segurança.